A Crônica dos Wapshot

A Crônica dos Wapshot John Cheever
John Cheever




Resenhas - A Crônica dos Wapshot


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Arsenio Meira 11/01/2014

AS PESSOAS

John Cheever escreveu sobre pessoas. É forte, tenso, ritmado, gritantemente luminoso o tom da sua prosa. Não há como fugir da poesia que escorre espontânea dos seus parágrafos."Até Parece o Paraíso", um outro livro do grande Cheever editado pela Companhia Das Letras, recebeu de John Upidike as seguintes observações, publicadas na conceituada The New Yorker: “Encantadora comédia suburbana, tão direta que chega a nos desarmar. Cheever exalta a sublime poesia da vida. Na criação de imagens e acontecimentos é um escritor sem igual na ficção americana contemporânea”.

O nosso Magistral CAIO FERNANDO ABREU, em crônica publicada em um livro póstumo chamado "A VIDA GRITANDO NOS CANTOS", diante da qualidade sublime do seu texto, advertiu-nos com sua própria veia poética sobre a necessidade de se ler Cheever. Diante de tais credenciais, não é aconselhável deixar passar tudo isto em brancas nuvens.

O romance A Crônica dos Wapshot, que a crítica estadunidense considerou um dos "cem melhores romances da língua inglesa" rendeu a John Cheever o importante prêmio National Book Award de 1958. Mais três importantes prêmios foram conquistados: em 1978 o prestigioso Prêmio Pulitzer e a Medalha Edward MacDowell; em 1981 a National Medal for Literature.

John Cheever é um desses homens que sabe dobrar, torcer, aplainar palavras e, assim, tornou-se um escritor que, como bem reparado há bastante tempo por John Updike, escrevia “como com a pena da asa de um anjo”. Updike só esqueceu de dizer que, em geral, Cheever preferia usar a pena de um anjo meio soturno.

Uma das premissas do livro, também apresentada logo de início, é o hábito dos Wapshot de manterem diários, maneira pela qual se resgataram todas as histórias dos personagens e de seus dramas internos e familiares. St. Botolphs, a localidade em que se desenrola a trama, era “uma velha cidade à beira-rio” e um antigo porto de Boston, no Estado de Massachussets, onde sobrara apenas “uma fábrica de talheres e algumas poucas pequenas indústrias”, uma localidade na qual ainda se vivia da pesca e de um turismo incipiente — com passeios de barco, lojas de quinquilharias e decadentes casas de veraneio.

A história finalmente se desenvolve quando Moses e Coverly, dois rapazes provincianos e oriundos de uma família tradicional da cidade, deixam a casa de seus pais e seguem, respectivamente, para Washington e Nova York em busca de emprego.

Neste romance, a classe média americana não aparece com tanta nitidez; a fatura literária demonstra retrata as transformações profundas e as constatações cruéis que serão experimentadas pelos jovens Moses e Coverly, os últimos Wapshot, filhos de Leander Wapshot, primos de Honora. Essa matriarca, muito embora sem marido ou filhos, uma mulher voluntariosa e inflexível, “altiva e absurda” em testamento determinara que todas as propriedades e bens dos Wapshot somente seriam entregues a Moses e Coverly contanto que eles tivessem filhos homens. Se isso não acontecesse, doaria tudo para as obras de caridade.

A partir daí, riqueza e futuro familiar estando a depender da virilidade de dois jovens, toda a angústia que envolve uma doação condicional seria pouca nos semblantes dos personagens e todos os acontecimentos seriam sempre postos à luz desta sua disposição de última vontade, irrevogável e imperativa.

Enquanto Leander traz um peso de dramaticidade, agarrando-se ao barco S .S. Topaze, no qual ganhava a vida fazendo passeios ao longo do rio na direção da baía de Boston e de suas ilhas, afastando-se de seu passado comprometedor e tentando conviver com sua esposa Sarah, de personalidade estritamente prática e objetiva, os rapazes Moses e Coverly enfrentam a perda da identidade natal nas metrópoles e curiosamente se deparam com dificuldades igualmente surpreendentes e inusitadas no cumprimento dos desígnios da prima Honora e na busca de sua própria realização pessoal e profissional, distantes do ninho familiar e das referências sociais.

O desdobrar da experiência de Moses e Coverly, entremeada com os textos do diário de Leander, captura com precisão a ideia de continuidade e permanência da saga dos jovens americanos, para conquistar identidade, pertencimento, lugar, emprego, sobrevivência e, se possível, independência, dinheiro, um trabalho pouco humilhante e alguma estabilidade financeira.

Neste romance, John Cheever exibe com maestria a profundidade de sua narrativa, a destreza na dissecação da psicologia; o ânimo do ser humano, sua miséria e sua glória — o que lhe rendeu o título de “novo Tchekhov” —, além do conhecimento profundo da história e geografia dos portos de Boston. Sua enorme criatividade ficcional, revela-se na formulação dos diversos personagens que Leander, Moses e Coverly encontrariam em suas ilíadas e odisseias pessoais, ao lado das mulheres por quem se apaixonaram, Sarah, Melissa e Betsey.

O romance prende o leitor de tal modo que a certa altura começa-se a duvidar da própria possibilidade de Moses e Coverly realmente conseguirem fazer algo aparentemente simples — gerar filhos homens para ganhar a fortuna de Honora — mas que, no curso da trama, revela-se uma incumbência extremamente complicada, mas que só mesmo John Cheever foi capaz de desvendar.



Maria Luísa 21/01/2014minha estante
Sua resenha é um convite à leitura desta obra!


Flávio 22/01/2014minha estante
Concordo com a leitora abaixo. É um romance denso. John Cheever soube retratar particularidades, que comumente, as pessoas preferem varrer para debaixo do tapete. Excelente resenha.


VICKY 22/01/2014minha estante
Que mundo fascinante este que você apresentou com sua bela resenha!




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Ezequiel.Cesar 12/03/2023

Assim é a vida!
John Cheever, grande contista americano, mostra-nos o retrato e os conflitos de uma família tradicional e decadente da Nova Inglaterra, os Wapshot.
A história é bastante melancólica pois apresenta a vida da família no seu estado mais puro.
Recomendo a todos que apreciam uma boa história com uma escrita cativante.
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