Adriana Scarpin 12/06/2018A vaca cega - Joan Maragall"Dando de cara num e noutro toco,
seguindo rotineira em busca d'água,
lá vem tão solitária a vaca. É cega.
Com boa pontaria e uma pedrada,
o moleque vazou-lhe um olho, e ao outro
cobriu uma ferida: a vaca é cega.
Da fonte vem beber, como antes vinha,
mas não com a firmeza de outros tempos
nem com as companheiras: vem sozinha.
Suas colegas, por declives, morros,
no silencio do padro e na ribeira,
tilintam a sineta, enquanto pastam
a relva fresca ao léu... Ela cairia.
Bate o nariz no afiado bebedouro
e recua, afrontada; mas retorna,
baixa a cabeça n'água e bebe, calma.
Bebe pouco, sem sede. Depois ergue
ao céu, enorme, sua córnea testa
num grande gesto trágico; então pisca
sobre as meninas mortas, e se volta,
órfã de luz embaixo do sol que arde,
palmilhando um caminho inesquecível,
brandindo lânguida uma cauda longa."