Higor 27/04/2024
"LENDO PULITZER": sobre a principal lição de vida desta história: não leia este livro
Figura constante em diversos prêmios literários e livros do ano, Anne Tyler já teve seus dias de glória no Brasil, principalmente nos anos 2000, quando seus livros eram publicados com regularidade pela editora Record. Mudança de editora, livros mais esporádicos, até chegar, enfim, ao sumiço. Seu livro mais recente publicado data de 2022, enquanto a última tradução é a de um livro de 2015.
Este "Lições de Vida", curiosamente, mesmo sendo o livro vencedor do único Pulitzer da autora, chegou aos leitores brasileiros com um atraso de 25 anos; e agora, mais 11 anos depois, caiu em minhas mãos, então tratei logo de lê-lo, afinal, por que priorizar outros quando este é o mais premiado e tido como, segundo o The Times, “o melhor livro de Anne Tyler, difícil de ser superado”? E o que este livro de 37 anos atrás, pouco lembrado em meio a tantos clássicos contemporâneos da década de 1980, teria a me oferecer?
Maggie é uma mulher na casa dos 40 anos, casada com Ira, mãe de dois filhos não mais adolescentes, cuidadora de idosos e com uma vida agradável e sem ter muito do que reclamar, aparentemente. Acontece que o marido de sua melhor amiga, Serena, faleceu, e ela tem de comparecer ao velório. Para isso, deve sair de Baltimore e viajar para cidade natal, interiorana, a cerca de 140 quilômetros de distância.
O que parecia ser um enredo promissor, onde se entendia que a protagonista enfrentaria demônios pessoais do passado ao visitar sua cidade natal, aprendendo com isso as ditas lições de vida do título, tornou-se, na verdade, um fiasco, um carro desgovernado - ou até que sob controle, mas conduzido por uma motorista assumidamente catastrófica e errante.
Acontece que a autora tomou tanto as piores decisões para conduzir a história, como as mais irritantes características, para construir seus personagens. Famosa por enredos leves, sem ações ou situações mirabolantes, mas que tratam do cotidiano familiar americano, Anne Tyler fez de Maggie, uma mulher que deveria ser encarada como um alicerce familiar e em constante preocupação com a vida das pessoas que a cercam, tornar-se uma mulher asquerosa, mentirosa, petulante e, principalmente, manipuladora.
Seu comportamento é tão irritante, suas intenções são tão ridículas, que eu me questionei, com a mais profunda sinceridade, se eu estava lendo um romance adolescente dos anos 2000 ou um livro adulto, respeitado e que figurou nos principais prêmios literários estadunidenses, onde abocanhou o Pulitzer e figurou como finalista do National Book.
Chega a ser constrangedor como a personagem manipula o marido, filhos, nora, amigos e colegas para conseguir o que quer, seja brigando ou fazendo drama, sem parar por um segundo sequer e refletir em seus atos e na opinião alheia. E o pior de tudo, a própria autora, Tyler, manipula o leitor, querendo induzi-lo a gostar do enredo ao propor alívios cômicos de filmes da Sessão da Tarde, mas que rebaixam o livro mais ainda, se for possível.
Um exemplo: a personagem está em uma oficina, retirando o carro para ir ao velório, quando ouve em uma estação de rádio que uma mulher chamada Fiona vai casar, não por amor, e sim por segurança. O problema é que a ex-nora de Maggie também se chama Fiona, logo, ela arma uma sequência inteira de pensamentos e estratégias para convencer Ira, o marido, a se encontrar com Fiona logo após o velório, com o argumento de que ela não pode se casar novamente. Isso sem se certificar de que a ouvinte é, de fato, sua nora, ou se ela está feliz com tal decisão de se casar, ou ainda mais, se o próprio filho quer a ajuda da mãe para resgatar tal relacionamento. Ela só acha que eles tem que voltar e pronto.
O alívio cômico nessa tragédia sem fundamento está, óbvio, ao ouvir o comentário de Fiona: assustada com o comentário, Maggie perdeu o controle da embreagem e acelerou o carro, batendo-o em um caminhão de refrigerantes. A suposta graça está em bater o carro que há um minuto estava recém-consertado. Mais engraçado ainda está em fugir do local como se nada tivesse acontecido ou ignorar o discurso do marido paciente, acusando-o logo em seguida de que, se não quisesse que uma tragédia tivesse acontecido, não deveria tê-la convocado para buscar o carro.
Eu sinceramente me pergunto quais os méritos para laurear "Lições de Vida" com veemência para o Pulitzer e figurar como finalista do National Book. Era esta a alta literatura da década de 1980? Foi este, de fato, o melhor livro de 1988? Para se apresentar uma mulher forte, mãe, esposa, amiga e preocupada com seus laços afetivos, é preciso construir uma personagem tão mesquinha? E para construir um par romântico do tipo opostos que se atraem, é necessário ter um personagem tão apático, calado e sem iniciativa como Ira? Eu entendo perfeitamente a importância de não se construir personagens sem camadas, inteiramente vilões ou mocinhos, como em tantos livros questionáveis, mas se torna impossível ter o mínimo de empatia pelos fatos narrados e pela própria Maggie, afinal, tudo é mero egoísmo, mero individualismo e indiferença ao próximo.
As atitudes e construções de todos os personagens, sem exceção, é tão gritante, que até mesmo a própria Leroy, neta de Maggie e Ira, de menos de 10 anos, parece ser a única adulta do livro, o que também se apresenta como mais um erro crasso, afinal, estamos falando de uma criança que se comporta como adulta em situações que, em tese, nem deveria estar presente, mas já se está, deveria se comportar como uma criança em meio ao cenário caótico pós-divórcio e encontros com os pais separados.
Leve e rápido de se ler, "Lições de vida" se mostra um desastre colossal em forma de livro. Apático, estressante e infantil, eu não consigo, para ser sincero, elencar um único motivo para encarar essa leitura. Qualquer outra coisa que você ler será melhor que isso.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Pulitzer".