Yeda 21/08/2022
Girl, Interrupted
(lido ontem, esqueci de logar)
"Emptiness and boredom: what an understatement. What I felt was complete desolation. Desolation, despair and depression".
É impossível ter uma opinião sobre esse livro sem comparar com o filme, sendo que esse é o mais conhecido. Mais aclamado, também. Ao ler a história, a única conclusão possível que encontrei sobre a preferência pela versão cinematográfica é o "shock value", a muleta utilizada durante todo o filme para impressionar quem assistiu.
O livro é bem diferente, não há a necessidade do "shock value". É um relato sobre a experiência da própria autora em um hospital psiquiátrico. Enquanto o filme exagera e inventa tramas para tornar o filme palatável e chocante, o livro "simplesmente" retrata alguns episódios sobre a rotina de um paciente e seus questionamentos sobre a vida que levava, o que é considerado "normal" e "insano" e a linha tênue entre os dois.
"My ambition was to negate. The world, whether dense or hollow, provoked only my negations. When I was supposed to be awake, I was asleep, when I was supposed to speak, I was silent, when a pleasure offered itself to me, I avoided it".
Particularmente, o livro foi muito mais interessante pela dose de realidade que ele entrega. Não há muito filtro sobre o que foi escrito: Kaysen escreveu sobre seus devaneios, suas ideias, sua rotina e seu diagnóstico.
"It was my misfortune -- or salvation -- to be at all times perfectly conscious of my misperceptions of reality. I never 'believed' anything I saw or thought I saw. Not only that, I correctly understood each new weird activity.
Now, I would say to myself, you are feeling alienated from people and unlike other people, therefore you are projecting your discomfort onto them. When you look at a face, you see a blob of rubber because you are worried that your face is a blob of rubber.
This clarity made me able to behave normally, which posed some interesting questions. Was everybody seeing this stuff and acting though they weren't? Was insanity just a matter of dropping the act?"
Boa parte dos questionamentos giram em torno sobre quem ela realmente era, se seus sentimentos eram válidos ou não, se outras pessoas sentiam o mesmo que ela. Isso é muito importante, pois em diversos momentos ela menciona a "vida real" e a vida do hospital psiquiátrico. A dificuldade em sobreviver lá fora, e o conforto sem nenhuma liberdade dentro. E ainda assim, conforto. E reconhecimento. Enquanto o mundo parecia um quebra cabeça com várias peças faltando, havia ordem na instituição, e pessoas "mais ou menos" como ela. E mesmo assim, era um lugar sem liberdade nenhuma, com suas regras "absurdas" e viligância extrema.
"For many of us, the hospital was as much a refuge as it was a prison. Though we were cut off from the world and all the trouble we enjoyed stirring up out there, we were also cut off from the demands and expectations that had driven us crazy.
(...)
In a strange way we were free. We'd reached the end of the line. We had nothing more to lose. Our privacy, our liberty, our dignity: All of this was gone and we were stripped down to the bare bones of ourselves."
A perspectiva dela como paciente e como foi sua experiência em um hospital psiquiátrico é intensa e significante. O diagnóstico oficial, transtorno de personalidade limítrofe ou borderline, só é mencionado nos capítulos finais, o que faz sentido já que ela precisou de um advogado depois de muitos anos para ter acesso ao seu arquivo(e algumas páginas estão no livro).
Lisa não causou danos irreparáveis em nenhuma outra paciente; Susanna não tomou aspirina com vodka e usou a desculpa da "dor de cabeça", aliás, não houve bebida alcoólica naquele episódio. Apesar de Daisy ter se suicidado, pouco se menciona sobre o assunto e, sua história não é parecida com a do filme: eles pegaram as poucas linhas sobre ela e exageraram até ficar "chocante" o suficiente para prender a atenção de quem estava assistindo.
O que há no livro é muito interessante, pois é unicamente a interpretação de uma paciente que estava claramente tentando entender o mundo, a sua condição, a "insanidade", a vida real. Seus pensamentos, suas necessidades, suas dúvidas e debates internos são os protagonistas dessa história; muito interessante ler a versão de uma pessoa com "transtorno de personalidade"(durante sua estadia, apenas isso era mencionado)tentando racionalizar tudo o que era dito a ela, esperado dela e a sua lógica sobre os sentimentos. Susanna tenta explicar tudo o que passa por sua cabeça, o que ela acreditava que fazia sentido, o que ela sabia que não fazia sentido, suas ações; isso foi o que me ganhou, pois em nenhum momento havia a necessidade de estar certa, de falar da forma mais "adequada" e "correta" sobre o transtorno: é simplesmente a perspectiva dela e isso é o que basta. E ainda é esclarecedor em muitas coisas. Se eu pudesse resumir o livro em uma frase seria: Susanna Kaysen analisando sua vida e a si mesma. E eu gostei da liberdade que ela usou para não filtrar ou corrigir sua versão; não é um livro para esperar veracidade e credibilidade, é um livro sobre uma pessoa tentando lidar com seu transtorno e compreendê-lo.
Em um ou em outro momento, Kaysen escreveu sobre algumas outras pessoas que estavam lá. Ainda assim, não eram momentos de profunda análise, apenas o que ela via(também diferente do livro, que exagera as características e histórias de cada uma para ajudarem a criar "um clima"). Junto com as outras personagens, também há explanações sobre o funcionamento e a rotina da instituição. Aliás, a rotina é extremamente importante, não só para manter o hospital funcionando, mas também porque a rotina dava segurança para as pacientes e as ajudavam a criar responsabilidade e confiança.
As "falhas" do relato não atrapalham a leitura, exatamente pelo que foi dito acima: desde o começo o livro deixa claro que tudo que estamos lendo é apenas a perspectiva de uma paciente. Não precisa de fundamentação ou base.
Eu gostei muito mais do livro do que o filme, especialmente pela pessoalidade; ver a situação através da mente de Susanna foi fundamental para que o livro fosse apreciado.