Isabel 07/03/2013Toda vez que baixo um arquivo, chego a conclusão de que combater a pirataria é inviável.
Nomes falsos, torrents divididos em milhares de pedacinhos, servidores aéreos – são incontáveis os estratagemas para que possamos assistir filmes e seriados de graça. Embora milhões ainda sejam gastos com o combate, a indústria já percebeu: é necessária outra maneira de ganhar dinheiro que não na venda de ingressos, CDs e DVDs.
Em Cinema Pirata essa alternativa não foi levada a sério: o lobby da indústria de entretenimento levou a aprovação de uma lei quase global com punições severas para downloads ilegais. No caso da Inglaterra, a terceira infração é punida com a expulsão de todo o domicílio da internet.
Considerando que somente 7% da população brasileira tem acesso regular à internet, pode até parecer dramático chamar isto de severo. Mas para Trent isso tem conseqüências catastróficas: seu pai (um operador de telemarketing que trabalha em casa, o único tipo de emprego abundante na cidadezinha onde moram) perde sua renda, sua irmã tem dificuldades para estudar para os exames e sua mãe (aposentada por invalidez) não consegue mais solicitar a sua pensão nem marcar consultas médicas necessárias.
E tudo isso graças a sua obsessão por Seth Watson, uma estrela de cinema há muito morta.
Pois é, Trent tem um hobby bem legal: remixar vídeos, criando obras completamente únicas a partir de trechos já existentes. Confesso que fiquei com uma pontinha de inveja dele e de seus amigos – sou uma menina de poucas obsessões. Enjôo rápido de séries muito longas, não escrutino cada palavra de um livro ou cena de um filme, enfim, prezo o geral em prol do específico. Enquanto todos os outros aspectos da personalidade de Trent são meramente mornos (alguns até mesmo ruins) toda vez que ele exalava sua paixão pelos filmes de Seth Watson eu não conseguia conter um sorriso.
Morrendo de vergonha pelo que fez para a sua família, ele foge para Londres. Depois de uma primeira noite difícil, ele encontra Jem, um profundo conhecedor dos truques e macetes da cidade grande – o rapaz sabe a melhor maneira de pedir esmolas, onde conseguir boa comida de graça e até mesmo ocupar um prédio dentro dos conformes da lei.
Aí reside minha principal crítica quanto ao livro: em termos materiais, tudo é fácil demais para Trent. Ele consegue comida chique de graça nos lixos de delicatessens, morar de graça em um pub e até mesmo roupas legais em lojas de caridade, compradas com dinheiro de esmolas. Isso pode até ser possível – vai saber – mas para o leitor médio, com certeza soa irreal.
Outros personagens vão surgindo na forma de novos amigos para Trent, e são do meu tipo preferido – eles não estão lá simplesmente de enfeite, possuindo também dramas próprios. Há Chester e Cão Raivoso, também “diretores de filmes remixados” – respectivamente de discursos e terror – além de 26, menina que além de ter um nome peculiar adora política e apresenta a Trent maneiras de lutar contra a lei anti-pirataria.
Ah, sim: até mais ou menos a metade do livro, achei a sinopse um pouco dramática ao chamá-la de distopia. Sim, ser expulso da internet é desastroso, mas não é um cenário tão desolador. Aí somos apresentados a uma nova lei de direitos autorais, aprovada com muito lobby e que mandará qualquer um com registros de downloads piratas no HD para a cadeira. Na sua maioria, adolescentes, alguns recém saídos da infância.
Cinema pirata se destaca entre as distopias por mostrar um mundo que, com exceção das leis de copyright, é igual ao nosso. Mas de qualquer maneira, a impressão é que fica é que faltou verossimilhança – uma dose cavalar, na verdade: embora as dificuldades em lutar contra a lei sejam inúmeras, o novo dia a dia de Trent, como já foi comentado, não as apresentam. Personagem bom é personagem que sofre, não que consegue ter uma vida linda e perfeita na cidade grande. As descrições dos filmes remixados por Trent e seus amigos são vivas, e não poderia amar mais a linguagem – algo bem cru, no estilo do diário de um desbocado.
Uma boa revisão teria eliminado tais errinhos e tornado o personagem mais real, mas o que fazer? Não deixa de ser uma boa leitura – e uma perspectiva assustadora.
Publicada originalmente em distopicamente.blogspot.com.br