Princípios de Política Aplicáveis a todos os Governos

Princípios de Política Aplicáveis a todos os Governos Benjamin Constant




Resenhas - Princípios de Política Aplicáveis a todos os Governos


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leandro.marcond 21/03/2021

Resenha: Princípios de Política Aplicáveis a Todos os Governos
Se fosse necessário reduzir esta grande em obra em apenas uma frase eu diria: se trata de um tratado contra o despotismo. No entanto, apenas essa definição encobriria a quantidade de temas complexos nele discutidos e sua importância para os tempos atuais. O livro escrito durante o governo de Napoleão e publicado pela primeira vez em 1815 trata de temas diversos que se relacionam com as liberdades individuais: (1) autoridade política e suas extensões; (2) proliferação das leis; (3) medidas arbitrárias; (4) corpus d’etat (ou golpe de Estado); (5) liberdade de pensamento; (6) liberdade religiosa; (7) salvaguardas legais; (8) propriedade; (9) impostos; (10) atividade econômica; (11) guerras; (12) ilustração; (13) diferenças do Estado moderno para os Estados antigos, dentre outros.

O autor pertence a tradição liberal que enfatiza tanto a necessidade de legitimação da origem do poder quanto a limitação do exercício do próprio poder (origem e natureza do poder). É nesse sentido que o autor aceita o postulado de Rousseau de que um governo é legítimo quando é um reflexo da vontade geral e rejeita a premissa de que o poder legitimado pela vontade geral exerça autoridade ilimitada. Nessa rejeição que se assenta o conceito de proteção das minorias [1], dado que um governo legitimado pela maioria pode se tornar despótico ao oprimir minorias não representadas.

José Guilherme Merquior divide a tradição liberal clássica entre a tradição inglesa (liberalismo econômico), francesa (questionamento da origem do poder das monarquias absolutistas) e a tradição alemã (oposição à intervenção estatal na instrução e desenvolvimento das capacidades intelectuais). Constant me parece completo nesse sentido, o autor amálgama as três correntes no seu pensamento. No entanto, é preciso compreender que a desconfiança do autor em o Estado intervir em questões educacionais se dá num contexto histórico de monarquias absolutistas, em que a intervenção do Estado poderia ser usada para perpetuação do próprio poder, impedindo o livre pensamento e afloramento das capacidades artísticas e literárias. Todavia, o autor entende que a atuação do Estado na promoção da instrução principalmente de crianças pobres é necessária para o espírito público, mas com o adento de que o Estado não deve ensinar os indivíduos argumentarem, apenas instruí-los para que pensem de forma independente. Outro adento importante é que o Estado deve permitir a educação privada e dar oportunidade de os pais escolherem as escolas que seus filhos estudarão.

Quando se trata da atuação do Estado em relação à religião e promoção das virtudes o autor defende que não se trata de suas atribuições. “Uma religião professada por governos implica perseguição, mais ou menos disfarçada, a todas as outras. O mesmo ocorre com opiniões de qualquer tipo. Do tratamento preferencial de um ponto de vista ao desfavor pelas outras opiniões há um fosso que é impossível não atravessar” (p.509). Sobre a condução pelo governo ao erro ou a verdade o autor diz: “Indicamos noutras passagens desta obra que a moralidade é só uma sequência ligada de causas e efeitos. Igualmente, o conhecimento da verdade é composto apenas por uma sequência ligada de princípios e consequências. Sempre que se interrompe tal sequência, há destruição seja da moralidade seja da verdade” (p.508).

Um erro justificável que o autor incorre é quando aceita sem restrições o princípio do laissez-faire. Digo justificável em decorrência dos autores da época não terem a completa compreensão do que atualmente chamamos de falhas de mercado (externalidades, bens-públicos e assimetrias informacionais). Hayek chama à atenção para esse erro dos clássicos em seu livro “Caminho da Servidão” de 1944: “O princípio fundamental segundo o qual devemos utilizar ao máximo forças espontânea da sociedade e recorrer ao menos possível à coerção pode ter uma infinita variedade de aplicações. Há, em particular, enorme diferença entre criar deliberadamente um sistema no qual a concorrência produza os maiores benefícios possíveis, e aceitar passivamente as instituições tais como elas são. Talvez nada tenha sido mais prejudicial à causa liberal do que a obstinada insistência e alguns liberais em certas regras primitivas, sobretudo o princípio do laissez-faire.” [2].

Em resumo, o livro “Princípios de Política Aplicáveis a Todos os Governos” é um tratado em defesa das liberdades civis e políticas. Sua vastidão de temas é excessivamente extensa e complexa para trata-los aqui sem incorrer em simplificações demasiadas. O livro é tão necessário hoje quanto foi no passado.

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[1] A defesa de Constant aqui harmoniza com a frase de Lord Acton: “A prova mais segura para julgarmos se um país é realmente livre é a margem de segurança de que gozam as minorias”. Trecho retirado da obra “Lord Acton: Ensaios”, publicado no Brasil pela editora Topbooks, p.22.

[2] Trecho retirado da Obra “Caminho da Servidão”, publicado no Brasil pela editora Misses Brasil, p.42.
denis.caldas 22/03/2021minha estante
Parabéns pela resenha; enriquece o nosso ambiente!




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