Lina DC 11/12/2013O livro gira em torno de Ervin de Apolinário, um consagrado nome na comunidade literária, é um professor maravilhoso, que dedicou toda a sua vida à licenciatura. Ervin tem mais de 70 anos, então inicialmente os seus "esquecimentos" são vistos como algo normal da idade, pois todos acreditam que é normal esquecer uma ou outra coisa quando se tem certa idade. O problema é que essa situação vai se agravando, e o médico da família indica um médico especializado, o Dr. Daniel. No convívio com Ervin, temos a sua esposa Margarida e a sua filha Natasha. Margarida a primeira vista parece ser uma mulher amargurada, até mesmo malvada, mas ao desenrolar da história é possível entender o seu jeito, pois tem mágoas profundas diante de alguns acontecimentos do passado. Como é dito na sinopse, Ervin é diagnosticado com Alzheimer, e passamos a conviver com as limitações que a doença impõe ao paciente e a família.
Aqui eu faço uma pausa para comentar que um dos meus maiores medos, o de se tornar totalmente incapaz de realizar até mesmo as atividades mais básicas sozinha, é colocado no papel. Se por um lado, a família sofre e muito, com a doença, o não reconhecimento, as crises, até mesmo as explosões agressivas, por outro, o paciente perde a sua memória, chegando a nem mesmo reconhecer um simples utensílio, como um garfo ou uma xícara. Para mim, isso é totalmente assustador.
Durante o desenvolver da doença, temos a perspectiva também do Dr. Daniel, que fica receoso em atender Ervin por ter um trauma pessoal de infância envolvendo a doença de Alzheimer. O problema é que ele se encanta pela Natasha, filha do Ervin, uma psicóloga divorciada que tem os seus próprios traumas nos relacionamentos.Além do problema ético, Daniel é casado. E aqui eu faço uma outra reflexão, dessa vez envolvendo o nome do livro. Claro que na minha opinião, "Ausência" está relacionado com a doença de Alzheimer, mas também pela "ausência" de Daniel no seu casamento. Antes mesmo de se tornar médico do Ervin, fica visível que Dr. Daniel é o provedor financeiro da família, mas está sempre ausente, atendendo e dedicando-se aos seus pacientes até tarde da noite, e ao chegar em casa, ignora as necessidades da esposa de conversar e dividir o seu dia. Se por um lado, ele tem uma profissão que exige muito, por outro, não é fácil para a sua esposa Milene, passar o dia se dedicando as necessidades de seus dois filhos, deixando tudo em ordem e não ter a atenção do marido. Ela, na minha opinião, se torna um pouco chata no decorrer do livro por só ficar reclamando, mas eu entendo os motivos das reclamações. Natasha, ao descobrir sobre a doença do pai, torna-se um pouco fragilizada, ou melhor, "atordoada" com essa notícia. Como uma pessoa que tem tanto conhecimento, passa a não reconhecer nada e a se tornar tão agressivo de repente? É nesse ponto que ela começa a se apoiar no Dr. Daniel, e ele começa a corresponder (apesar de que logo que ele a vê pela primeira vez, já se interessa por ela), e começa a mentir para a sua família e para si mesmo, trazendo ainda mais mágoas. Se por um lado Dr. Daniel é um bom médico, na minha opinião, ele é um péssimo ser humano (rs.. estou muito malvada hoje). O livro é gostoso de ler, a leitura flui muito bem, a diagramação é bem feita, eu acho que encontrei apenas uns dois errinhos bobos, nada que atrapalhasse a leitura. O único problema que eu tive, foram algumas falas, que na minha opinião, ficaram meio surreais. Eu não consigo imaginar uma conversa do dia a dia com tanta filosofia envolvida, mas as falas se encaixaram bem no contexto da história.
Eu recomendo o livro para aqueles que gostam de refletir sobre a condição humana, e sobre aquilo que foge ao nosso controle. A história do Ervin é muito bonita, tocante, e ao mesmo tempo triste. Vou encerrar a resenha deixando um trechinho do prefácio, que logo de cara me fez pensar e refletir bastante:
"A Doença de Alzheimer é uma experiência devastadora.
Para o doente, a perda gradual da memória é o apagar do mais essencial que possuímos, do que nos define e nos diferencia, daquilo que faz de cada um de nós, humanos: nossa identidade.
Para o familiar, é a dor de um luto prologado, pois, embora esteja vivo, aquele à nossa frente vai, pouco a pouco, deixando de ser quem um dia conhecemos e amamos.
Mas, a doença também pode ser uma experiência transformadora, um aprendizado diário de novas formas de relacionamento, a descoberta de outros meios de comunicação possíveis que independem da fala, do raciocínio, da razão: o olhar, o toque, o afeto...."