Su 28/01/2016
A descoberta do mundo é uma coletânea de crônicas publicadas pela Clarice no Jornal do Brasil durante os anos de 1967 a 1973. Vou falar um pouco sobre aquelas que eu mais gostei.
Em “Prece por um padre” Clarice nos conta sobre a oração que ela fez por um padre que lhe pediu que fizesse isso.
“Uma noite gaguejei uma prece por um padre que tem medo de morrer e tem vergonha de ter medo. Eu disse um pouco para Deus, com algum pudor: alivia a alma do Padre X..., faze com que ele sinta que Tua Mão está dada à dele, faze com que ele sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que ele sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que ele sinta uma alegria modesta e diária, faze com que ele não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que ele se lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que ele receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há um conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-o para que ele viva com alegria o pão que ele come, o sono que ele dorme, faze com que ele tenha caridade por si mesmo, pois senão não poderá sentir que Deus o amou, faze com que ele perca o pudor de desejar que na hora de sua morte ele tenha uma mão humana para apertar a sua, amém. (Padre X... tinha me pedido para eu rezar por ele.)”
“O caso da caneta de ouro” nos mostra o que aconteceu quando ela ganhou uma caneta de ouro.
“De repente, descobri. Pouco estava importando a caneta de ouro. O que importava é que um filho pedia e o outro não pedia. Retomei a conversa: “Vem cá, por que é que você não me pede coisas?” A resposta foi pronta e contundente: “Eu já pedi muitas e você não me deu nada.” A acusação era tão dura que fiquei estarrecida. Inclusive não era verdade. Mas, exatamente por não ser verdade, é que se tornava mais grave. Ele tinha uma queixa tão profunda que a transformara nessa inverdade.”
Na crônica “Pertencer” Clarice começa nos dizendo que um médico lhe contou que desde o berço a criança sente o ambiente.
“Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma. O que é um fac-símile triste.”
Sou mais do que suspeita para falar qualquer coisa sobre a Clarice. Gostei muito desse livro, principalmente por nos revelar um pouco do dia-a-dia dessa autora que acima de tudo é humana.
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