spoiler visualizarJúlio Sandes 19/02/2012
Leitura em um quadrinho só
Em sua obra, Ramos consegue ser didático, leve e, ao mesmo tempo, analisar de forma completa vários elementos das histórias em quadrinhos. Seu vocabulário bem acessível, seu número de páginas e o fato de ser ricamente ilustrado com exemplos do que o autor fala fazem com que a leitura seja saborosa e rápida. É um bom ponto de partida para quem pretende entender melhor como as HQs funcionam enquanto linguagem autônoma.
Aliás, a ideia de que as HQs possuem uma linguagem autônoma, defendida pelo autor (que aponta outros ilustres defensores desse posicionamento) é criticada por uma corrente de estudiosos, e ele nem busca estabelecer um diálogo sobre essa polêmica: para ele, os quadrinhos são uma linguagem autônoma a partir do momento que desenvolvem suas próprias capacidades narrativas, sem necessariamente utilizarem de elementos hipertextuais (embora às vezes o faça). Embora seja uma perspectiva deveras válida (principalmente dentro de sua proposta, que é a de analisar "A leitura dos quadrinhos", seria interessante vê-lo desenvolver mais um embate entre tal posicionamento e o que o critica, que se baseia na existência de determinadas matrizes de linguagem das quais os quadrinhos, enquanto mídia, lançariam mão, sem compor necessariamente uma "nova linguagem". Tinha interesse nisso até por não conhecer tais críticas a fundo.
Acredito que o autor peca no desenvolvimento do texto quando cai em homogeneizações desnecessárias - como quando se refere aos mangás como "quadrinhos orientais" (como se não houvesse outro tipo de quadrinho no Oriente), quando trata dos elementos "fonéticos" dos quadrinhos como essenciais para construção dos mesmos enquanto linguagem autônoma (esquecendo as HQs "mudas", que se baseiam apenas nas imagens, sem palavras) e quando lança mão de parte do argumento de Umberto Eco sobre a utilização de estereótipos nos quadrinhos.
E é justamente a forma como Ramos utiliza Eco que me incomoda nesse último ponto. Eco explica a utilização dos estereótipos (não só nos quadrinhos, mas na nossa percepção de mundo, de modo geral), mas vai fundo no serviço ideológico que a construção e perpetuação desses estereótipos presta ao establishment. Ramos, que certamente sofreu bastante com o establishment acadêmico brasileiro que, de modo geral, vê os quadrinhos através de um "senso comum acadêmico", tão bem explorado por Bourdieu, como objetos não dignos de estudos "sérios", foge do combate "corpo-a-corpo" com tal visão preconceituosa ao evitar a leitura ideológica que Eco lança sobre os estereótipos.
De todo modo, "A leitura dos quadrinhos" é um bom livro que realmente faz com que o leitor saia da leitura com os olhos treinados para identificar certos elementos e funções nas HQs que outrora nem percebia. Recomendo :)