Nu e As 1001 Nuccias 16/05/2016Resenha do Blog As 1001 Nuccias - o melhor livro do ano!Eu sou terrivelmente apaixonada por livros com conteúdo histórico, sejam ficcionais ou não. Não que eu não goste de fantasia e distopia, pelo contrário, adoro esses mundos novos. Mas também acho importante me inteirar sobre o nosso mundo. Especialmente a história dele, pois conhecimento prévio é ensinamento, uma forma de não repetirmos erros sociais.
Beco da Ilusão é um romance dramático. Narrado quase totalmente pela protagonista Sarah Wainness, inicia-se com ela se preparando para assistir à apresentação de ballet de sua neta, já adulta. Enquanto aguarda o início do espetáculo, sua mente começa a vaguear por lembranças de seu passado. Um passado obscuro e tenebroso.
Sarah Wainness nasceu Yidish. Ao receberem uma herança de um tio distante, Yidish e sua família (pai, mãe, 3 irmãos, a mais velha fica na terra natal, pois se casou) se mudam da Bulgária para Berlim. Seu pai, sapateiro, assume então a administração de uma gráfica no coração da nova cidade. Aos 9 anos, ela conhece Berlim no auge de sua beleza, se apaixona pelo Opernplatz, o prédio da Ópera Estatal de Berlim e pelo ballet, uma dança leve, graciosa, linda e genuína.
Após alguns dias, conheceu Anton e Erdman, dois primos cujos laços de amizade com a menina se tornaram profundos e inabaláveis, de tal forma que eles se ajudavam e protegiam em tudo. Sapeca, espontânea e sonhadora, Yidish escuta novidades do governo em seu radinho e escondida nos corredores da casa, durante longas reuniões do pai com os amigos da gráfica. Ela não compreende ao certo o que ouve, mas sabe que algo está para acontecer.
E então, em uma manhã tenebrosa, depois de incêndios na capital, Hitler declara guerra contra os judeus residentes na Alemanha. Nazistas invadem as casas, separam famílias e jogam todos em ônibus para levar a campos de concentração. Separada de sua família, a agora adolescente de 14 anos tem de enfrentar sozinha tudo o que está destinado a ela, por causa da cultura que possui.
Devido a um segredo revelado, Yidish recebe um tipo de proteção: uma identidade alemã. No início dessas viagens, ela não sabe exatamente quem a protege e sabe menos ainda a causa disso. A cada transferência de campo, um novo nome, uma nova identidade, mas os mesmos martírios. No caos do Holocausto, ninguém era poupado se não fosse alemão: negros, judeus, homossexuais, deficientes. Os nazistas sentiam prazer em ferir, humilhar, machucar e matar outras pessoas.
Tudo o que ela desejava era encontrar sua família, seus irmãos, seus amigos, seu amor. E sumir da Alemanha.
Cara... eu vou ter de ser sucinta, ou passarei éons elogiando esse livro. Foi surpreendente, arrebatador, chocante e lindo, tudo junto e misturado.
Começando pela base, pela pesquisa, pela veracidade dos fatos. A autora nos transporta ao tempo e espaço dos acontecimentos de tal forma que parece que ela própria esteve lá. Junte a isso, o fato de a narrativa ser rica em detalhes e observações que faz com que você viva e sinta o mesmo que os personagens. Você se emociona, rodopia, sofre, se choca, luta, chora e transcende.
Logo no início, a autora tece considerações sobre a pesquisa que fez. Diz que buscou descrever o mais realista possível, mesmo não concordando com o que estava escrito. É seu papel como autora repassar os fatos históricos registrados sem modificá-los, mas não é seu papel concordar com eles.
Mesmo um detalhezinho ínfimo no início do livro nos faz entender as reviravoltas dos últimos capítulos. E não são poucas reviravoltas, não! Os sentimentos gerados pela leitura mudam em turbilhões e nos modificam também.
Não há como não torcer pelas conquistas da pequena e forte Yidish, não há como não ter esperança que ela encontre sua família. Ou como não desejar que encontra e viva o amor que tanto sente falta, tanto pelo amigo, quanto pela dança. Enquanto está nas garras dos campos de concentração, ela sente frio, fome, dor, corre riscos, trabalha e, mesmo assim, consegue ser solidária.
O que mais posso dizer sem entregar a história toda de bandeja?... Bem, o título do livro é explicado em uma parte da narrativa, mas eu não posso descrever, pois seria estragar a leitura de vocês. Só uma dica: a ilusão nem sempre é boa, mas é útil e ajuda a sobreviver.
O final do livro foi espetacular! Não que tenha sido inesperado. Parando para pensar, até que foi um final bem condizente, mas a forma como foi passado tem todo o diferencial.
É impossível pra você não se chocar, não sentir um aperto no peito, a angústia com os relatos. A dor e a humilhação impostas a seres humanos que não fizeram efetivamente nada direto contra o governo alemão. Nada, a não ser existirem. A empatia desperta a cada página e faz as emoções aflorarem a cada parágrafo. A não ser que você seja um psicopata, daí...
No mais, é um livro fantástico, que vale a pena ser lido. Sei que ele foi publicado em alemão e está na Biblioteca de Berlim e é recomendado como fonte de pesquisa, tamanha a sua fidelidade. Mais do que uma história de ficção, é um ensinamento, uma luz para que não retornemos àquela escuridão.
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