claudio.louzd 21/04/2020
Clássico Icônico Tragédia
Gosto muito dos comentários - com spoiler - desse link abaixo. Faz apreciar mais a leitura. Recomendo.
Obra das mais icônicas de Shakespeare, mostra o percurso de um soberano de rei a homem comum, que estarta quando decide abrir mão do seu poder em benefício das filhas.
Provoca inúmeras reflexões e é muito debatido no mundo literário. Além do site proposto, vai se encontrar muita análise online sobre a obra.
Alguns pontos que acho interessante destacar e tecnicismos literários:
- é uma das 4 top tragédias de WS, a saber, “Hamlet” (escrita entre 1599 e 1601), “Otelo” (1603), “Rei Lear” (1605) e “Macbeth” (1606 ou 1607).
- Harold Bloom afirma que “Rei Lear” e “Hamlet” tem “uma magnitude que talvez transcenda os limites da literatura (…) tornando-se uma espécie de Escritura Secular, ou mitologia”.
- Bloom também afirma que é uma tempestade sem bonança, já que não há reviravolta que aplaque as angústias dos principais personagens.
- Atenção para a hamartia (erro por falta de compreensão humana) da Cena I do Ato I, quando ele renega a filha mais nova, Cordélia. Parece inverossímil, mas lembre-se que autoridades de alto escalão sofrem distorção de julgamento pelos seguidos anos de bajulações, que constroem vaidades difíceis de evitar. Ao mesmo tempo, Cordélia peca por não tornar mais fácil o momento, vivendo o papel que naturalmente devia desempenhar.
- Alguns colocam o Rei como um herói trágico, concepção com a qual ouso discordar. Não vejo, do início ao fim da história, um lampejo sequer de heroismo, sequer de imprevidência, vaidade, orgulho, inabilidade política e insucesso. Trágico sim, mas nada de heroico na epopeia que nos é narrada.
- Outro postulado técnico que merece menção é a pretensa hybris (orgulho com arrogância funesta) em Gloucester, ao se deixar enganar pelo filho bastardo. O analista do link vê o erro mais nas peripécias maquiavélicas de Edmundo do que na suposta arrogância do pai.
- Contradição inconciliável (por Goethe): toda a situação criada por Lear que o empurrou ao fim.
- Anagnorisis ou anagnórise: Aristóteles utilizou este termo na sua Poética para se referir à tomada de consciência por parte do herói trágico de um erro que ele próprio terá cometido num passado mais ou menos remoto e que o terá conduzido à perdição presente. Se dá quando Lear reencontra Cordélia e de modo catártico e comovente percebe o erro que cometera.
Não gosto da tradução de Millor Fernandes. Entre outros detalhes, por ex, acho chulo que troque 'whoreson dog' por 'cão filho da puta'. Whore é menos vulgar que isso. De uma rameira ou prostituta soaria melhor.
Leitura rápida e, com sempre em WS, linda, marcantes, espetaculares passagens, como as que abaixo transcrevo:
- "meu arco está curvo e a corda tensa; cuidado com a flecha".
- "... me faltar a arte pérfida e oleosa de falar sem sentir..."
- Do Príncipe de França a Cordélia, rejeitada: "despede-te dessa gente má; perdeste o aqui, te dou um melhor lá".
- "O tempo há de revelar o que se esconde nas dobras da perfídia". E revelou.
- "As terras que não tive no berço ganharei com a esperteza. Justo para mim é tudo que vem em minha defesa.", muito apropriada a muitos políticos brasileiros, que põe a si acima de qualquer lei. E nesse momento, em especial, quando alguns brasileiros tripudiam de um Pres honesto e enaltecem o mais ladrão que passou pelo Planalto.
- "Não sou tão novo, senhor, que ame uma mulher pelo seu canto; nem tão velho que me deixe levar pelo seu pranto; carrego nas costas quarenta e oito anos".
- "... a raiva tem seus privilégios".
- "um pobre velho, tão cheio de acasos quanto de anos; e desgraçado em ambos".
- "... que as armas das mulheres, gota d'água, manchem minhas faces masculinas: .
- "Que alquimia estranha a das nossas necessidades; torna preciosas as coisas mais miseráveis."
- "Sabedoria e bondade aos vis parecem vis". Tb propício aos dias de hoje, com o Pres tão criticado.
- "Os sorrisos felizes que brincavam em seus lábios vermelhos pareciam ignorar os hóspedes dos olhos, que caíam dali como pérolas gotejadas por diamantes".
- "Quem perde a razão não sabe que a perdeu". No livro há uma vírgula após razão que julgo impertinente.
- "Ó, querido pai! Que a tua cura dependa do remédio de meus lábios; e este beijo repare os violentos ultrajes que minhas irmãs inflingiram à tua figura venerável". Cordéla ao rever o pai, já doente.
- "Ânimo delicado não assenta a quem usa espada".
site: https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/por-uma-releitura-de-rei-lear-89646/