Ana Aymoré 20/07/2020O deserto infindável de SchwarzenbachFilha de uma aristocrática família da belle époque suíça, historiadora de formação, fotógrafa e jornalista prolífica, arqueóloga e aventureira que percorreu das estepes russas aos desertos do Oriente Médio, amiga íntima de intelectuais, cientistas, escritores e artistas os mais brilhantes de seu tempo, dona de uma personalidade marcante que a levou, desde muito jovem, a assumir corajosamente uma performance de gênero masculina, e de um magnetismo peculiar que fez, a certa altura, Thomas Mann definir sua beleza como a de "um anjo devastado", e condenou Carson McCullers a uma avassaladora e não-correspondida paixão - Annemarie Schwarzenbach nos deixou, como legado escrito, apenas recentemente redescoberto pelos leitores e pela crítica, o testemunho de seus fracassos e desesperanças, da solidão, do medo e da incompreensão que refletem sua consciência do "mal-estar da civilização" (termo cunhado por Freud à época em que Annemarie escrevia seu Morte na Pérsia). A cada vez que partia da Europa em direção a um ambiente desconhecido e frequentemente inóspito, como o descrito neste relato de viagem, a autora empreende uma frustrada tentativa de fuga - de uma mãe autoritária, de decepções amorosas, da ascensão do nazismo, de seus próprios males íntimos, como a depressão -, que se torna a matéria-prima fundamental de sua escrita: "É de falsos caminhos que este livro trata, e o seu tema é a desesperança."
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As areias escaldantes e as antigas cidades de uma civilização há muito derrotada, cenário do que nomeia como "desolação magnífica", são, nesse livro, a exteriorização de um herói (ou uma heroína) que já inicia sua jornada sob o signo da derrota, por não ser capaz de impedir, ou de observar passivamente "a grande discórdia que separa os povos e envenena os homens", por não ter força suficiente para conter a mão do homem que a agarra pelo braço para fazer-lhe mal, por não ser possível simplesmente unir-se à mulher amada sem obstáculos, por não vencer o medo opressivo de um inimigo que não consegue sequer nomear. A própria vida, em Schwarzenbach, é esse labirinto mais perfeitamente incognoscível de que nos falara Borges, o deserto: "Para onde nos voltaremos? À nossa volta, aridez apenas, cordilheiras cinzentas de basalto, desertos amarelos cor de lepra, vales lunares sem vida, ribeiros de greda e rios de prata, onde boiam peixes mortos. Para onde? Ah, a perplexidade, asas cortadas da alma!"