Fabio Shiva 15/03/2011
amor à segunda vista
Da primeira vez que li esse livro, foi uma decepção. Eu havia acabado de assistir “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick, genialíssimo filme baseado no livro mais famoso de Anthony Burgess, que li como quem degusta a obra mais horrorshow de toda a literatura mundial! É claro que queria ler mais livros de Burgess. O primeiro que apareceu foi “Enderby por Dentro”, por coincidência o livro que Burgess publicou no ano seguinte ao da aparição de “Laranja Mecânica”, em 1963. Ou seja, li os dois na sequência em que foram escritos.
Mas não poderia haver dois livros mais diferentes, pensei ao ler pela primeira vez. Enderby é um poeta de meia-idade, razoavelmente respeitado e incompreendido, que vive totalmente isolado do resto do mundo. Mas o mundo insiste em se intrometer em sua pacata rotina de se dedicar ao onanismo e à composição de poemas em seu banheiro (a banheira que nunca é usada para o banho está atulhada de velhos poemas, restos de sanduíches e pequenos camundongos que são a única companhia do poeta punheteiro). Enderby se mete (ou é metido) em situações insólitas e bizarras, diante das quais reage de forma ainda mais esquisita... enquanto isso, vai escrevendo seus poemas que quase ninguém lê.
Para quem esperava uma continuação de “Laranja Mecânica”, nada poderia ser mais frustrante. Achei o livro uma porcaria, chato, sem pé nem cabeça. Mas acabei deixando guardadinho, pelo respeito crescente que fui adquirindo pelo autor após as leituras de “Poderes Terrenos”, “As Últimas Notícias do Mundo”, “A Sinfonia Napoleão”, entre outros. Eu olhava para a capa cômica de “Enderby por Dentro” e pensava: não é possível que Burgess tenha escrito um livro tão ruim como eu acho que esse é. Preciso lê-lo novamente algum dia.
E esse dia chegou. Ao ler pela segunda vez, fiquei muito surpreso ao encontrar espantosas semelhanças com “Laranja Mecânica”!!! Tal como Alex, Enderby é um ser antissocial, que por sua obstinada individualidade revela a insanidade e hipocrisia do mundo ao seu redor. E passei a apreciar o livro intensamente! Algumas passagens, que eu antes achei chatas, agora me arrancaram gargalhadas no ônibus e na fila do banco! E pude enxergar bem mais as profundezas do olhar de Burgess ao devassar o processo criativo de seu esquisitíssimo e adorável Enderby.
Pude apreciar também a excelência da tradução de Paulo Henrique Britto, que mandou muito bem tanto nos poemas quanto na fala “cockney” de alguns personagens. Excelente tradução para o português!
Quero ler de novo!
(15.03.11)
Essa leitura despertou minha veia poética, que se manifestou nesse poeminha:
DUETO PARA CHAMA E PAVIO
(Canção da Vela):
- O teu carinho é abrasador, linda chama!
Arde quando ilumina, queima quando inflama,
devora enquanto aquece, destrói o que mais ama.
(Canção do Fogo):
- O teu carinho é enganador, sutil pavio!
Some quando eu chamo, me deixa por um fio,
recua quando mais preciso, amor que se torna o vazio.
***
Não tem nada a ver com a lírica de Enderby, mas de alguma forma ele foi a grande influência.
Viva Enderby!!!
Comunidade Resenhas Literárias
Aproveito para convidar todos a conhecerem a comunidade Resenhas Literárias no Orkut, um espaço agradável para troca de ideias e experiências sobre livros:
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