Gustalves 01/05/2023
Cai o Pano: o último caso
Recebi este livro como um presente ao encontrar meu namorado pela primeira vez, este ano. Ele me havia dito que uma amiga gostava muito da Agatha, assim como eu, e disse os livros de sua coleção. Mal sabia eu que essa conversa seria para descobrir qual livro ele deveria comprar para que não fosse repetir na minha estante. E da mesma forma que fui "manipulado" pelo meu namorado, Cai o Pano (Curtains - curtinas, no original) é um thriller que nos manipula.
O livro foi o último a ser publicado pela autora, mas foi escrito 30 anos antes disso. No auge de escrita da Agatha, nos anos 30, ela já imaginou um perfeito último caso de Poirot. Feito como um presente à filha, Christie escreveu a obra por medo de não sobreviver à Segunda Guerra Mundial; e como sua morte não acontecera, o livro com o último caso do nosso detetive foi guardado - literalmente - num cofre até 1975, um ano antes da morte de sua criadora.
A história se passa no mesmo ambiente que o detetive belga resolve seu primeiro caso: em Styles. Todo o enredo é embebido de uma nostalgia do narrador, dando um caráter melancólico além de um medo a qualquer momento: Poirot está velho, usando cadeira de rodas e extremamente cansado. Capitão Arthur Hastings, o mesmo parceiro de Hercule em Styles, é quem nos conta o enredo, que parece estar em formato de diário, visto o caráter psicológico (a tradução de Clarice Lispector me faz pensar se isso foi um toque pessoal ou uma decisão bem colocada da editora na epoca) e sempre utilizando verbos num passado recente. Sob convite do amigo agora debilitado, Arthur vai a Styles, agora transformada num Hotel, mas já sabemos que onde o nosso bigodudo racional está, há um assassinato. E este é um super intrigante.
Hastings já é confrontado por Poirot sobre o que realmente está acontecendo: 5 casos super bem resolvidos na verdade foram cometidos por uma mesma pessoa: X. É interessante como a condição do belga influencia a nossa percepção: a idade poderia já estar te pregando peças e enxergar crimes onde não existiam, ou melhor, já solucionados. A quintupla citada envolviam casos totalmente fechados, assassinatos com seus assassinos se entregando ao juiz. Poirot estaria caducando de vez?
Assim como a dupla em styles, eu, como um matemático, também me interessei na grande pergunta de Cai o Pano: quem é X? (perdão, precisava dizer isso) Mas aí é que vem o detalhe: Poirot sabia quem era o assassino, mas não a vítima, não sabia como X agia para fazer seu crime. Apesar desse conhecimento, não nos é revelado absolutamente nada sobre X vindo de Poirot além de que existia e está em Styles.
Sob esse contexto todo, acompanhamos o comum tráfego de personagens e histórias, nos fazendo requestionar a cada capítulo o que está acontecendo, suas possibilidades e
o que existe que nao estamos vendo - acredito que suspense é algo extremamente difícil de se construir: o que deve ser e não ser dito, as palavras articulam uma direção lógica e será está a correta? -. De forma recorrente, o nosso narrador fica irritado e, assim como o leitor, briga com Hercule por não revelar quem é X. E de resposta ao parceiro, somos também insultados por transparecermos demais, afinal, eu faço comentários e caretas quando alguém que suspeito cogita comentar algo é fiquei afetado pelos comentários do velhinho.
Com o desenvolvimento da trama, que é bem arrastada ao que me pareceu, somos, assim como em todos os livros de Agatha, enganados pelo o que vemos e, principalmente, ouvimos - apesar de que me orgulho de acertar certas coisas (duas apenas kskskskss). Este livro fala sobre raiva. Mais ainda, sobre manipulação.
Não vou estragar a surpresa de quem é X, mas te conto que Curtains se trata de um assassino que quando se descobre, de fato, cai o pano. Somos feitos de cegos, já que tudo estava bem na nossa frente. É um livro que na verdade é tudo do avesso: nos 5 casos o assassino não mata a vítima; na história atual, não procuramos o assassino e sim a vítima; e uma última invertida que não irei comentar, mas envolve poirot.
Com um final triste, e um aperto no coração. Cai o pano é uma última história de Poirot que me faz sentir saudade do que eu ainda não li e de abrir os olhos sobre quem realmente somos: frágeis aos sentimentos. E como um belo título, Curtains realmente se trata de cortinas se fechando ao grande show que foi acompanhar a vida de Hercule Poirot.
É, Agatha... estão sendo livros tão bons.