Patricia Pietro 03/11/2021Nesse livro, Victor Hugo repete a fórmula utilizada em outras duas grandes obras suas, quais sejam, Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame, em que um personagem à margem da sociedade (Eponine; Quasímodo; Gilliat) se apaixona por um personagem que tem uma relação de amor recíproca com outro (Marius e Cosette; Esmeralda e Phebo; Déruchette e Ebenezer).
Portanto, eu já imaginava que o final não seria feliz para Gilliat. Contudo, eu não imaginava que ele escolheria a morte de forma voluntária. Ele era sabido, forte, tinha um coração enorme e era feliz cuidando da horta, da casa mal-assombrada e da pança. Eu não entendi porque ele achou que, perdendo Déruchette, a vida dele devesse chegar ao fim. Aliás, percebe-se uma ironia presente na morte de Gilliat, que deixou-se afogar exatamente no lugar onde salvara a vida de Ebenezer. Trocaram-se os destinos. Era pra Ebenezer ter perecido na cadeira Gild-Holm-'Ur e Gilliat ter se casado com Déruchette. Mas uma pequena ação de Gilliat mudou completamente os rumos de sua vida.
O final me decepcionou um pouco. Ficou um vazio, uma tristeza pelo fato de que tudo que Gilliat fez foi por quase nada. "Quase" porque ao menos ele poupou Lethierry da provável decadência a que ele estava destinado.
Sobre o estilo de escrita de Victor Hugo, eu acho incrível, amo. Porém, neste livro, deixou uma sensação de que as páginas são muito mais ocupadas por descrições de personagens e lugares e curiosidades aleatórias do que de acontecimentos. Podemos citar, em 700 páginas, poucos grandes momentos: Gilliat apaixona-se por Déruchette > Gilliat salva Joe da morte por afogamento na cadeira Gild-Holm-'Ur > Clubin rouba Rantaine > a Durande naufraga > Clubin se desespera ao perceber que naufragou nas Douvres e não no Hanois - onde havia planejado > Gilliat salva a máquina > Gilliat acha o cadáver de Clubin e o 75 mil francos junto à ele > Lethierry recebe a carta de Rantaine > Joe declara seu amor à Déruchette com Gilliat assistindo a tudo > Lethierry felicita-se ao ver a máquina e o dinheiro > Gilliat casa Déruchette e Joe, Gilliat se deixa afogar na cadeira Gild-Holm-'Ur.
Apesar de tudo, é um livro bom, com uma estória heroica e trágica. Uma verdadeira epopeia incluindo amor não correspondido, naufrágio, roubos e restituições, lutas contra ventos e tempestades e combate corpo a corpo com o legendário kraken.
Meu capítulo favorito é o "Homo Edax" - O Homem Devora. Victor Hugo escreve sobre a incrível capacidade do ser humano de modificar a obra divina. Contudo, é impossível a este mudar as grandes linhas da criação, visto que o Todo é providencial e "o que é Superior será sempre Superior". Isso fica ainda mais claro no capítulo em que Gilliat, após lutar contra tanta coisa, quase morrer, descobre um buraco na pança. Sem meios de consertar esse pequeno obstáculo (pois estava de noite e ele tinha poucos materiais à disposição), ele fica à mercê do Tempo, do Oceano, da Maré, do "Ignoto" e até do aparelho provisório que ele havia feito na tentativa de retardar o efeito natural da sobrecarga de água que poderia afundar a embarcação com a máquina que lhe dera tanto trabalho salvar.
"Tudo limita o homem, mas nada o detém. Ele responde ao limite ultrapassando-o. O Impossível é uma fronteira que sempre recua um pouco".