Jess.Carmo 26/06/2022
Ética, gozo e fórmulas da sexuação.
Lacan não queria publicar o seminário sobre a ética da psicanálise. Para tratar da ética da psicanálise, Lacan parte da "Ética a Nicômaco" de Aristóteles. Ele diz que não só deseja reescrever o seminário como precisa reescrevê-lo.
Ele também usa Aristóteles para corrigir o Além do princípio do prazer freudiano. Para ele, o além do princípio do prazer é aquilo que se satisfaz com o blá-blá-blá, ou seja, com a linguagem; nada tem a ver com nosso corpo orgânico.
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Lacan define o gozo como uma instância negativa, como aquilo que não serve para nada. "Gozar tem esta propriedade fundamental de ser em suma o corpo de um que goza de uma parte do corpo do Outro" (p. 30). Lacan insiste na ambiguidade significante que há na asserção do "gozar do corpo", já que ele comporta um genitivo que abre espaço para o entendimento que o Outro que goza. A exigência do Um, de onde está o ser, sai do Outro. Ou seja, o Um sempre supõe que o significante pode ser coletivizado
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A topologia lacaniana marca uma ruptura com a filosofia, já que ela não recorre à nenhuma substância, ou seja, não se refere a nenhum ser. O que podemos apreender com ela é que nenhum predicado basta para dizer o que é o ser sexuado. É daí que Lacan vai desenvolver o conceito de gozo. O ser sexuado só está interessado no gozo, o que faz com que se imponha essa impossibilidade lógica de dizer os contornos do seu ser. Lacan diz que ele fala de essência assim como Aristóteles, o que significaria que a essência é sempre rateável, ou seja, sempre falha.
Ao contrário da definição corrente no campo analítico de que o gozo teria algo a ver com o corpo orgânico, Lacan é bastante repetitivo e insistente em dizer que o gozo "se baseia na linguagem" (p. 57).
Quanto aos quatro discursos, Lacan deixa bem claro que não está em questão sua emergência histórica. Ele chega a dizer que detesta a história, porque, para ele, ela não tem sentido. Só podemos apreender o sentido como um efeito de significante. O que está em questão é a "emergência do discurso analítico a cada travessia de um discurso a outro" (p. 23). Isso se pelo amor, que é o signo de que se troca de razão, quer dizer, que mudamos de discurso. Segundo Lacan, o discurso deve sempre ser tomado "como liame social, fundado sobre a linguagem" (p. 24).
Lacan também retoma o problema do referente e do semblante nesse seminário. A linguagem sempre produz um efeito de significado, ou seja, ela sempre nos impõe o ser. Entretanto, o psicanalista francês vai ser categórico que a linguagem é lateral em relação ao referente. Há sempre um efeito de deslocamento em relação a esse referente, de tal forma que ele nunca se completa.
Encontramos também algumas definições sobre o significante. Segundo ele, o significante é aquilo que tem efeito de significado. Lacan justifica que ênfase que ele dá ao significante é porque ele "é o fundamento da dimensão do simbólico" (p. 27). Também encontramos inúmeras vezes a formulação de que o significante se caracteriza por representar um sujeito para outro significante.
É pelo significante ter um efeito de significado que o "discurso analítico visa ao sentido" (p. 85), mas trata o sentido como aparência, como semblante. O sentido sempre "indica a direção na qual ele fracassa" (p. 85).
Quanto à discussão acerca das fórmulas da sexuação, essa primeira leitura não foi muito clara para mim. Entendo que se trata de uma tentativa de colocar em termos lógicos os lugares do seres falantes, mas a discussão me pareceu bastante confusa em muitos momentos, o que deixa brecha para uma série de interpretações problemáticas da teoria lacaniana.
A mulher, que não é a dama do senso comum, é o lugar do quadro da sexuação que não permite nenhuma universalidade, ou seja, ela é o não-todo. Por não ser universalizável, nada se pode dizer da mulher. Em alguns momentos, Lacan aproxima o lugar da mulher a um lugar místico.
O discurso analítico "se sustenta pelo enunciado de que não há, de que é impossível colocar-se a relação sexual" (p.16). Estamos aí em um impasse também no dizer o que é o homem e o que é a mulher. É uma relação que não para de não se escrever, ou seja, um impasse da formalização da definição do que é a mulher.
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Outra formulação recorrente no seminário é a noção de que a realidade é a fantasia em que o sujeito é preso, "é, como tal, o suporte do que se chama expressamente, na teoria freudiana, o princípio de realidade" (p. 86). Encontramos aqui o porquê de Lacan ser tão incisivo em querer diferenciar o Real - como impasse da formalização - da realidade - como fantasia. A realidade tem uma formulação totalmente diversa na teoria lacaniana.
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