Marcorigobelli 22/05/2011
Três Sombras
Não só do mainstream vive a indústria dos quadrinhos. Melhor, não é do mainstream que vive a indústria dos quadrinhos. Toda a estrutura dela se baseia nas obras e, principalmente, nos autores independentes, os selos e as editoras que os apoiam. Pode surpreender os que só acompanham o mercado por cima, com Marvel, DC e mangás. Contudo, em praticamente qualquer outro país onde as editoras de HQs não sejam tão grandes, tudo se sustenta nas publicações independentes.
Entre algumas dessas, temos grandes destaques que variam em estilos, temas e gêneros. Mas sempre são surpresas bem-vindas que trazem novos autores para o picadeiro iluminado do mercado de quadrinhos.
Um deles certamente é Cyril Pedrosa que carrega para suas obras as influências que reuniu da época em que trabalhava como animador para a Disney em filmes como Hércules e Corcunda de Notre-Dame.
Três Sombras é segunda obra de Pedrosa como roteirista e desenhista e conta a história de Louis, Lise e seu filho Joachim que vivem isolados do restante do mundo em uma era que podemos chutar sendo a Renascença. Eles levam uma vida calma e prazerosa em sua casa protegida do mundo pelas colinas que a cercam. Porém, um dia, três sombras misteriosas surgem montadas em cavalos, cobertas por mantos e capuzes negros sempre observando o que acontece na vida da família simples, até que a presença delas torna-se incômoda e ameaçadora, fazendo o casal acreditar que elas estão ali atrás de Joachim. O medo de perder o filho leva Louis a uma jornada desesperada de volta à terra de onde seus pais vieram.
Qualquer um que começa a ler o álbum nota de princípio que Três Sombras é uma fábula, tem toda a linguagem alegórica e os personagens carismáticos típicos do gênero, é praticamente impossível não se apegar a Joachim e seus pais já por volta da página vinte. A história é longa e ainda assim o autor optou por guiá-la num ritmo acelerado e quase frenético – o que, por incrível que pareça, funcionou muito bem na HQ –, com uma arte caricata e cativante em preto e branco no tradicional nanquim sobre papel; Cyril destila o medo da morte e a apreensão com o destino sem ser cuidadoso ou exagerado. Sua história é guiada quase que seguindo à risca as fases do medo (desleixo – prudência – apreensão – medo – pânico – fuga – alívio) sob o ponto de vista de Louis e Lise. E, graças a isso, somos capazes de nos aproximar da história da família e nos envolver com seu drama.
Como obra de quadrinhos, Três Sombras não chamaria a atenção pelo brilhantismo ou por ser – de alguma forma – revolucionária, mas é impossível não se encantar com ela durante sua leitura. A linguagem simples, sem pieguices e a arte tão carismática que é capaz de, mesmo nos momentos de drama intenso, arrancar um sorriso do leitor têm uma sintonia que se vê em poucos autores que escrevem e ilustram seus trabalhos. É uma daqueles álbuns que provavelmente não vão entrar para a história da nona arte, mas que vão marcar cada um que leu.