Giselle 10/01/2012
Li, há algum tempo, o livro “Momo e o Senhor do Tempo”, escrito por Michael Ende – o mesmo criador de “A História sem Fim”.
História pra criança? Pode ser. Mas fundamentalmente, vejo como história para as pessoas grandes...
Penso que fomos acostumados a medir o tempo pelos ponteiros de um relógio, pelas páginas de uma agenda – geralmente cheínhas de compromissos -, pela rápida movimentação das folhas de um calendário. E esse tempo medido pelos instrumentos do lado de fora geralmente é tão previsível, tão abarrotado de obrigações, de quereres e fazeres, de pressa e corre-corre... que no fim das contas (sim, porque o tempo do lado de fora tem tudo a ver com contas!) não sobra tempo pra nada. É a desatenção com o outro Tempo – esse eu escrevo com T maiúsculo, porque é o Tempo de verdade – que escancara nossas muralhas, permitindo a invasão dos homens cinzentos.
Os homens cinzentos são monstrinhos que estão por toda parte. Se estão por toda parte, por que nós não os vemos? Ora, porque nunca temos tempo! Olhar de outra forma para as coisas, de modo a enxergar os homens cinzentos, toma tempo, sabia? Os homens cinzentos são seres malvados, que querem desviar nossa atenção do Tempo – o de verdade. E eles quase sempre conseguem! Cada vez que falamos algo parecido com “Não tenho tempo”, eles comemoram mais uma vitória e saem por aí desfilando seus troféus, que são – vejam só! – o tempo que não temos.
Onde se esconde, então, o tempo que nos falta?
O tempo que não enxergamos não se esconde. Ao contrário, ele grita, pula, faz alarde, sacode bandeirinhas coloridas, manda mil mensagens dentro das garrafas dos nossos pensamentos, envia sinal de fumaça pro nosso coração... E cadê que a gente enxerga alguma coisa? Estamos condicionados a não olhar para ele, porque pra isso precisamos desviar nosso olhar das coisas do mundo e voltá-lo para as coisas de nós mesmos. E isso significa fechar os olhos de fora e abrir os olhos de dentro – o que pode ser, no mínimo, assustador para quem não conhece o mundo que existe INSIDE.
No mundo de dentro tudo é de verdade. Principalmente o Tempo. Lá os ponteiros do relógio têm outro nome: pensamentos. As agendas cheias também foram batizadas de um jeito diferente e se chamam memória (afinal, é ela quem indica o que passou, como passou e qual a melhor maneira de planejar o que virá). Os calendários do lado de dentro têm um nome bastante usual, mas pouco experimentado pelas pessoas que não têm tempo: sentimentos. São esses os instrumentos que medem o Tempo de maneira eficiente e os quais deveríamos usar mais vezes. Existe ainda um fator importantíssimo a ser considerado: os homens cinzentos não têm como chegar até o mundo de dentro. Eles só conseguem influenciar o mundo de fora, o que nos distrai para o mundo de dentro – e é exatamente isso o que eles querem: que não abramos nossos olhos internos e que não descubramos a grandeza e a beleza do Tempo que vive lá.
A propósito, “coincidentemente” (coincidências devem vir sempre entre aspas...), eu estava lendo Rubem Alves esses dias e me deparei com a seguinte afirmação em uma crônica chamada “Poça de água suja”: “Ângelus Silésius, místico, disse que temos dois olhos: com um vemos as coisas que no tempo existem e desaparecem. Com o outro, as coisas divinas, eternas, que para sempre permanecem.” Isso vem ao encontro da minha suposição sobre os tempos; com um olho a gente enxerga o tempo e com o outro a gente enxerga o Tempo (das coisas divinas e eternas, que só podem morar do lado de dentro).
O Tempo verdadeiro se mede assim: que tamanho teve sua última felicidade? Que duração teve sua última gargalhada? Quantos mls seu reservatório de lágrimas marcou na sua última crise de choro? E quanto alívio seu coração sentiu depois?
São essas as perguntas que nos fazem usar os instrumentos que marcam o Tempo. Tempo vivido de verdade é assim. Não tem nada a ver com a agenda cheia, com as horas intermináveis de trabalho e com as horas curtas de sono. Tem a ver com as alegrias, com as tristezas, com as angústias, com a paz, com o arrependimento, com os amigos, com as risadas, com o amor, com o desprendimento, com o egoísmo, com as descobertas de nós mesmos; e mais que isso: com a transformação de nós mesmos.
Acho que quanto mais nos familiarizamos com o Tempo, mais nos aproximamos da Cassiopéia.
Cassiopéia era a tartaruga do Senhor do Tempo, que ajudava Momo em suas tarefas e que sempre sabia o que aconteceria nos próximos 30 minutos – daí o êxito nas atividades empreendidas. A casinha da nossa Cassiopéia se chama coração. Ela fica lá, entocada, tentando nos mostrar a direção certa para os nossos passos. Mas só conseguimos receber suas mensagens se estivermos verdadeiramente conectados com o Tempo (com o Tempo, e não com o tempo!). Algumas pessoas mudam o nome de suas Cassiopéias para Intuição ou algo assim. Não importa; o que importa é que as Cassiopéias só saem da toca-coração e interagem conosco quando entendemos o pleno funcionamento do nosso Tempo – do nosso Templo.
As Cassiopéias são tartaruguinhas divinas e muitíssimo especiais. Elas nos foram emprestadas pelo Senhor do Tempo, Aquele que, além da Cassiopéia, nos concedeu também o tempo, o Tempo e a vida inteira. Por isso temos o dever de cuidar bem da Cassiopéia - ela é nosso guia, nosso bichinho de estimação mais precioso. E, claro, para poder alimentar devidamente nossas tartaruguinhas, temos que conhecer bem o mundo dela – que, por tabela, é o nosso mundo interior. Só esse conhecimento poderá nos aproximar da Cassiopéia e nos fazer a entender os propósitos de seu dono, o Senhor do Tempo.
Cuidar bem do nosso Tempo, portanto, nos fará mais próximos do Senhor (do Tempo) e da Cassiopéia – que muito pode nos instruir nessa caminhada a que chamamos Vida. Pra isso é preciso prestar mais atenção no tempo, de forma que os homens cinzentos não possam dominar nossos relógios e calendários, fazendo-nos esquecer do que verdadeiramente importa. É preciso abrir nossos olhos internos para conhecer o nosso Tempo – aquele que se mede pela fita métrica dos sentimentos – e cativar a nossa Cassiopéia. É necessário silenciar o tempo e dar voz ao Tempo...
Só despertando esse novo olhar é que poderemos encontrar os caminhos secretos que nos conduzirão ao Conhecimento supremo das engrenagens do Tempo. E eu acho que só assim a vida acontece de verdade...