Esperando Godot

Esperando Godot Samuel Beckett




Resenhas - Esperando Godot


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MatheusPetris 11/03/2024

Tudo escoa? Tudo se repete
Afinal de contas, quem é Godot? Não sabemos e não saberemos. A única concretude de sua existência está na figura de uma personagem chamada Menino. Ele aparece rapidamente duas vezes, em ambas ao final dos dois atos da peça. Além da existência de Godot, o Menino revela que o tão esperado Godot não virá hoje, mas amanhã. Esse caráter cíclico — assim como a lua brilhando ao final dos atos, a noite caindo e a esperança juntamente à ela — demarcado por essa repetição, serve também como espelhamento de um ato ao outro: a espera se repete. O tempo escoa; esperamos Godot.

Essa duplicação não se limita a unidade estrutural da peça, são “(...) dois dias, dois pares — Didi [Vladmir] e Gogô [Estragon], Pozzo e Lucky” (Fábio de Souza Andrade), além dos dois encontros entre os pares. Esses dois pares se confrontam, embora ambos reforcem uma memória rarefeita. É John Fletcher quem reforça essa duplicação: “O nome de Estragon tem o mesmo número de letras que o de Vladmir; o mesmo vale para Pozzo e Lucky”.

Essa preocupação rigorosa com os nomes — para além da semântica — me remeteu a Gogol. Boris Eikhenbaum, quando analisou a famosa novela O Capote, chamou atenção para a preocupação de Gógol com os nomes de suas personagens, demonstrando como dos rascunhos à versão final, havia modificações em prol de um rigor muito claro. Em alguns casos, era uma escolha semântica; porém, em vários outros, era apenas fônica, um trocadilho acústico. Mas não é bem essa aproximação de que quero tratar.

No mesmo texto, Boris situa a novela de Gógol como uma “narrativa direta”, a qual submete o enredo para o segundo plano, o papel organizador da narrativa é menos o enredo, um encadeamento de acontecimentos — elos que ligam eventos —, uma progressão de desenlaces, a chegada de um clímax, do que a figura do narrador. É lógico que estamos falando de outro gênero, estamos falando de uma narrativa dramática, não de prosa. Porém, Gogol, como se sabe, nunca se importou muito com o enredo e sim com a organização dos seus elementos, muitas vezes criando comicidade em um único acontecimento simples e derivando os outros destes, mais ou menos como nos diz Boris: “Essa situação serve de estímulo, de pretexto a um acúmulo de procedimentos cômicos”. Não é, precisamente isso, que ocorre nesta peça?

Boris novamente: “(...) o enredo só tem uma importância marginal e, por essência, estático (...) suas personagens são apenas a projeção fixa de uma atitude”.

Se Beckett mantém duas das unidades aristotélicas em sua peça (temporal e espacial), podemos dizer o mesmo da ação? A aparente ação das personagens não avança a narrativa, não desencadeia acontecimentos, apenas os repetem. Se a peça “renuncia a relatar uma ação, o faz apenas porque a ação que descreve é a vida desprovida de ação”, afinal, “a essência da peça é a espera, em meio à incerteza” (Hugh Kenner). É o que Fábio de Souza Andrade nos diz: “perdidos no palco em meio à paisagem deserta, querendo partir, mas presos a um compromisso tão impreciso quanto irreparável”. O espaço se repete; os dias, apesar de diferentes, se mostram os mesmos. Mas a ação, está não progride, é estática.

A pergunta “E o que fazemos agora?” resume essa ideia, assim como a resposta imediata: “Esperamos”. Na iminência do que fazer, fazem o que podem, esperam. A repetição da pergunta “O quê”, sinaliza essa incapacidade de progredir, ou melhor, de saber o que aconteceu ou acontecerá. Vladmir e Estragon se confundem em diálogos simples, esquecem o que falaram minutos antes, e não apenas o que estão esperando, se já esperaram, etc. Tudo parece rarefeito, incerto, passado, presente e futuro. O tempo existe, ele escoa, mas se repete. “E então será dia mais uma vez”.
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Arsenio Meira 08/10/2015

"O Esteta do fracasso"
A peça “Esperando Godot” foi escrita no pós-Guerra (1946/53) pelo irlandês Samuel Beckett, um dos mais ilustres representantes da corrente que ficou (convencionalmente) conhecida como Teatro do Absurdo.

A preocupação de Beckett está voltada para questões filosóficas sobre a condição humana, onde o tempo (fator essencial a uma compreensão histórica do universo) não existe senão como uma eternidade imóvel e morta e que tem como meio de expressão a decrepitude física dos corpos, a degeneração físico-fisiológica que se faz presente na medida em que esse tempo passa, fazendo desse homem uma carcaça, resto de uma humanidade que perdeu o seu rumo e agora se vê incapaz de compreender a própria existência.

Ou seja, a preocupação de Beckett não reside em mostrar o absurdo da existência a partir da vida social, mas sim através do choque do homem consigo mesmo, percebendo em seu íntimo a perplexidade desse encontro.

“Esperando Godot” não conta uma história, ao contrário, explora uma situação estática. O lugar é deserto, sem cor. Somente uma árvore ao centro e a luz antecede o crepúsculo. Dois velhos vagabundos, Vladimir e Estragon estão esperando Godot. Com isso, procuram preencher o tempo da espera dialogando até a exaustão, pois nessa espera está todo o sentido de suas vidas. Mas nada acontece e a atmosfera de vacuidade e monotonia não é alterada senão pela entrada de Pozzo e Lucky (respectivamente senhor e escravo) que, partindo fazem retornar o vazio que circunda as personagens.

E Godot que não se sabe quem é ou o que seja, não chega e nem nunca chegará. Assim, para preencher sua desesperada expectativa, para enganar o tédio dos dias vazios e iguais,Vladimir e Estragon falam um com o outro mesmo sem tem o que dizer, travam brigas inúteis e refazem as mesmas perguntas (que são tão frustrantes quanto as tentativas de resposta), para assim preencherem o vazio da existência e para se darem ao menos, a impressão de que existem.

Samuel Beckett teve pares, é certo, mas ninguém catalizou a desilusão, o fracasso da humanidade pós-guerra igual e ele. Ninguém.
Levi 08/10/2015minha estante
Excelente, Arsenio. Esse é um livro que quero ler, mas Beckett, como sempre, pede um estômago forte e regulado. Ainda não é o momento. rsrs. Abraços!


Arsenio Meira 08/10/2015minha estante
Vai chegar a hora Levi! O livro é seu (caso não tenhas!!!)
Vc merece ler Beckett. É uma dádiva literária, ainda que selada em desesperança e ausência de qualquer sentido para a vida como ela é...


Paulo 08/10/2015minha estante
Obrigado, Arsenio. Trouxe-me a lembrança da primeira encenação que vi desta obra rara, prima e única.


Cristiano.Vituri 08/10/2015minha estante
Obra maravilhosa...Ler Beckett é pisar no chão com os dois pés cravados, e proferir: é só isso mesmo!


guidenker 08/10/2015minha estante
Que beleza, Arsenio. Só li Fim de Partida. Vou colocar esse na lista.


Arsenio Meira 08/10/2015minha estante
Paulo, Cristiano e Guilherme
Ler Beckett é ser e estar no epicentro do incredulidade dos atos humanos, e muito mais, muito, muito mais! UM ABRAÇÃO PRA TODOS VCS!!


Peônia 09/09/2016minha estante
Saudade imensurável de suas resenhas, meu amigo querido!




Lista de Livros 24/12/2013

Lista de Livros: Esperando Godot, de Samuel Beckett
“- Juntos, tivéssemos sido os primeiros em nos jogar da Torre Eiffel. Então, sim que o passávamos bem. Agora já é muito tarde. Nem sequer nos deixariam subir.”
*
“- As lágrimas do mundo são imutáveis. Por cada um que começa a chorar, em outra parte há outro que cessa de fazê-lo. O mesmo se passa com a risada. Não falemos, pois, mal de nossos tempos; são piores que os passados. Claro que tampouco devemos falar bem. Não falemos.”
*
Mais em:

site: https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2013/08/esperando-godot-samuel-beckett.html
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Cinara... 30/06/2021

"Vladimir: Será que dormi, enquanto os outros sofriam? Será que durma agora? Amanhã, quando pensar que estou acordando, o que direi desta jornada? Que esperei Godot com Estragon, meu amigo, neste lugar, até o cair da noite? Que Pozzo passou por aqui, com seu guia, e falou conosco? Sem dúvida. Mas quanta verdade haverá nisso tudo? (Tendo pelejado em vão com as botas, Estragon volta a se encolher. Vladimir o observa) Ele não saberá de nada. Falará dos golpes que sofreu e lhe darei uma cenoura. (Pausa) Do útero para o túmulo e um parto difícil. Lá do fundo da terra, o coveiro ajuda, lento, com o fórceps. Dá o tempo justo de envelhecer. O ar fica repleto dos nossos gritos (Escuta) Mas o hábito é uma grande surdina. (Olha para Estragon) Para mim também, alguém olha, dizendo: ele dorme, não sabe direito, está dormindo. (Pausa) Não posso continuar. (Pausa) O que foi que eu disse?"

Esperando Godot estamos todos nós! Só estamos matando o tempo, fazendo coisas sem sentido esperando por alguém que nunca chega!
Nunca ri tanto com um livro! Os dois personagens vão de frases burras até a mais alta filosofia. ???
Eu queria ver o Selton Mello e o Matheus Nachtergaele fazendo o Stragon e o Vladimir, seria hilário!
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Rodrigo1001 27/04/2024

Inquietação (Sem Spoilers)
Título: Esperando Godot
Título original: En Attendant Godot
Autora: Samuel Beckett
Editora: Cosac Naify
Número de páginas: 242

Enquanto a esmagadora maioria dos livros faz você entender algo ao escrever sobre um determinado tema, este livro faz você entender ao não escrever sobre nada.

Quem é Godot? Vale a pena esperar por Godot?

Você não encontrará nenhuma resposta para essas perguntas.

Ver os personagens orbitando em torno de uma conversa absurda força você a sentir sua própria inutilidade. Não consegui compreender muita coisa, mas creio que este era o objetivo. Um livro para sentir, não para entender. E quanto mais você pensa sobre o porquê das coisas, mais aquela sensação de vazio toma conta de você.

Nada faz sentido.

Então, o que posso dizer sobre o livro?

Bem, se você tiver um pouco de paciência e reservar um tempo para se entregar a simbologias, alusões e pensamentos filosóficos sobre o sentido da vida e o existencialismo, com certeza poderá desfrutar de Esperando Godot. Se, por outro lado, procura entretenimento rápido para preencher alguns dias, eu não o recomendaria.

Em uma única frase: não o leia se está buscando por prazer. Leia-o, sim, se estiver buscando por inquietação.

Leva 3 de 5 estrelas.

Passagem interessante:

"Estamos sempre achando alguma coisa, não é, Didi, para dar a impressão de que existimos?"
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Dani 28/04/2021

Edição belíssima da Cosac. Os paratextos me ajudaram muito na compreensão da obra!
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Dan 21/03/2021

Esvaziamento completo da subjetividade
Nunca imaginei que alguém pudesse compor uma peça sobre a "espera"; e a despeito de que, o evento é sempre aguardado nas peças e os instantes de intervalo são logo preenchidos de entretenimento, vemos aqui ACONTECER ABSOLUTAMENTE NADA.

Talvez a falta de coesão mesma seja matéria constitutiva de uma narrativa que vai se revelar circular e reconvexa em seus próprios termos. A progressão caminha para um degrau abaixo do comezinho, e isso, provavelmente sendo assistido no teatro traria um sono de morte.

Escandindo todo o nada dialógico, Vladimir e Estragon parecem exilados de si mesmo.. não sabem dia, hora, e o propósito de esperar, só sabem que esperam por algo que nunca chega. Eu até ri em alguns momentos que parecem ser o auge do tosco.
Talvez a espera fosse sim por um Deus ou por outra espécie de sentido que, como cisão, os pudesse tirar de um círculo vegetativo.
Isis243 25/03/2021minha estante
Então ... você gostou ? Recomenda ?


Dan 26/03/2021minha estante
Não gostei, mas recomendo. Não gostei por ser uma peça vazia até em sua composição para o espectador, é facil dormir nela. Porém, recomendo por ser uma boa representação do teatro do absurdo e sua crítica à falta de sentido na vida


Isis243 26/03/2021minha estante
Obrigada Dan pelo ponto de vista pessoal ... grata :)


Dan 26/03/2021minha estante
disponha




Clara 22/03/2021

?Estamos sempre achando alguma coisa, não é, Didi, para dar a impressão de que existimos??

Me diverti bem mais do que eu esperava com a leitura. Há vários temas nessa peça que renderiam bons debates, como a questão do tempo, da monotonia, da repetição, da ausência, da angústia, o contexto pós-guerra, a essência e a existência humana. Recomendo!
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Diego Rodrigues 20/10/2023

"Nada a fazer"
Escrita em 1949, numa Paris ainda profundamente marcada pela ocupação alemã, e encenada pela primeira vez em 1953, "Esperando Godot" é uma tragicomédia em dois atos, expoente do chamado teatro do absurdo. A obra é a principal responsável por alavancar a carreira do escritor e dramaturgo irlandês Samuel Beckett, que mais tarde viria a ganhar o Nobel de Literatura. Uma estrada, uma pedra, uma árvore, uma lua ocasional e dois vagabundos, é nesse cenário esquálido e minimalista que se desenrola a trama, se é que se pode chamar assim. Os vagabundos são Vladimir e Estragon. Juntos, eles esperam por Godot. Mas, quem é Godot? Quando chega? E de onde vem? Isso ninguém sabe. O jeito é esperar... "Nada a fazer."

Acometida por um tédio mordaz e uma angústia pungente, a dupla, feito macacos enjaulados, usa de todas as suas artimanhas para passar o tempo. Mas, o que é o tempo? Nas palavras de um visitante enigmático: "Não vão parar de me envenenar com essas histórias de tempo? É abominável! Quando! Quando! [...] um dia, nascemos, um dia, morremos, no mesmo dia, no mesmo instante, não basta para vocês? Dão a luz do útero para o túmulo, o dia brilha por um instante, volta a escurecer." O que veremos aqui é a condição humana posta a nu! Vladimir e Estragon encarnam o ser humano em todo o seu esplendor de ridículo, estúpido e desprezível. A obra provoca riso, mas também desconforto. E a coisa fica ainda mais sombria quando Beckett quebra a quarta parede, fazendo com que, a certa altura, os personagens se dirijam diretamente à plateia: "espetáculo admirável".

Muitas são as interpretações em torno da peça e Beckett nunca deu muitas pistas. Pelo pouco que já li sobre, o dramaturgo parecia defender a ideia de que a arte não tem que, não tem obrigação com nada. Se via livre e se incomodava mais com aqueles que o questionavam em busca de um significado fácil do que com aqueles que abandonavam o teatro no meio da apresentação, sob a alegação torpe de que "nada acontecia" na peça. Gostava da abstração e do poder de provocar diferentes reações que sua obra tinha. Ficou particularmente intrigado com um prisioneiro que havia visto na peça uma espécie de analogia da própria situação, chegando até mesmo a haver uma intensa troca de correspondência entre ambos.

Alguns acreditam que Godot seja Deus, hipótese essa descartada pelo próprio autor. Já outros, defendem uma relação com o contexto histórico em que foi concebida: o período pós-guerra e suas cicatrizes. Penso que, talvez, Godot seja a morte e todos nós sejamos Vladimirs e Estragons em nossas "rodinhas de hamster", tentando desesperadamente preencher o vazio e falhando miseravelmente. Ou talvez a dupla simbolize os dois lados de uma mesma consciência: Estragon, aquele que já foi calejado pela vida e se resignou; Vladimir, aquele que ainda tenta se apegar a alguma esperança, mesmo que tímida, e é acometido por raros momentos de uma lucidez melancólica. No fim, não faz muita diferença. Ambos são vítimas do horror da vida!

Uma coisa é inegável: o poder que a obra tem de conversar com diferentes contextos, sejam eles filosóficos, psicológicos, religiosos ou políticos, e de, ainda hoje, intrigar leitores e espectadores. "Esperando Godot" é uma obra que incomoda e provoca o leitor, convidando-o a refletir sobre o sentido da vida (ou a falta dele), assim como Vladimir faz a certa altura: "Será que dormi, enquanto os outros sofriam? Será que durmo agora? Amanhã, quando pensar que estou acordando, o que direi desta jornada? [...] Do útero para o túmulo e um parto difícil. Lá do fundo da terra, o coveiro ajuda, lento, com o fórceps. Dá o tempo justo de envelhecer. O ar fica repleto dos nossos gritos. Mas o hábito é uma grande surdina." Tudo isso para, no fundo, chegarmos a mesma e fatal conclusão da dupla: "nada a fazer."

A edição da Companhia das Letras conta com tradução e posfácio do professor Fábio de Souza Andrade. O volume ainda traz dois textos críticos assinados por Ronan McDonald e Steven Connor, o primeiro destacando os impactos da obra no meio artístico e ressaltando seu poder de conversar com diferentes contextos históricos (do apartheid sul-africano à passagem do furacão Katrina em Nova Orleans, passando pelo Cerco de Sarajevo e os conflitos na Palestina), e o segundo contextualizando "Godot" dentro da obra Beckettiana. Fechando o pacote, uma ilustração do pintor alemão Georg Baselitz estampa a capa.

site: https://discolivro.blogspot.com/
@quixotandocomadani 23/10/2023minha estante
Excelente resenha! E é bom assim, quando há mtas interpretações ??


Diego Rodrigues 24/10/2023minha estante
Esse é daqueles que saímos do livro mas o livro não sai da gente.. Só não sei se isso é bom ou ruim, porque a obra provoca uma sensação de vazio existencial que vou te contar rs


@quixotandocomadani 24/10/2023minha estante
acho que é bom! rss Mas bom saber, pq me preparo psicologicamente antes de ler!




Mirna 25/07/2022

Em busca do sentido da existência? Vai ficar esperando...
O absurdo da existência é impecavelmente dissecado, representado de forma sutil e quase simplória por Beckett. Uma peça em que "nada" acontece e que te coloca para "esperar" Godot junto a Vladimir e Estragon - personagens sem passado nem futuro, puramente presentes, "sendo-aí" - o dasein de Heidegger em sua forma mais crua. E é essa espera pelo incerto, é esse nada (bem satriano), é esse tédio (bem heideggeriano), é essa indeterminação insuperável que acaba escrachando o próprio absurdo que a existência é.

Fiquei realmente muito reflexiva com esse texto. Perdi a conta de quantas vezes os personagens cogitaram "ir embora" e o que os impedia era justamente a espera por Godot. E se pararmos pra pensar, a vida é isso mesmo: é espera... seja por alguém, por uma ligação, por um resultado, por um filho, pelo salário, pela noite de descanso, pela manhã de trabalho, ou mesmo pela vinda de um salvador/Jesus/Deus. Mas, para além de todas as esperas, o fim de todas elas: a espera pela morte. E, enquanto ela não vem, a gente tenta se distrair e preencher esse vazio de sentido que é o intervalo entre nascer e morrer.

Imagino que para muita gente essa obra possa parecer enfadonha ou mesmo frustrante, já que esta não tem a menor pretensão em alcançar uma coerência espaçotemporal, nem muito menos determinar uma moral ou significação magnânima. A crueza da obra está justamente na indefinição de sentido, tempo e espaço tal qual a própria existência se dá - somos "lançados", sem quê nem porquê. Se a própria vida nos exime de sentidos e significados, numa peça beckettiana não seria muito diferente.
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Matheus Lins 04/10/2009

http://omegageek.com.br/oneuromancista/2009/10/04/esperando-godot-samuel-beckett/
Títulos costumeiramente denunciam as peças-chave de suas histórias; vide, por exemplo, os livros da série Harry Potter, que sempre fazem menção a elementos fundamentais da trama em questão (e.g: A Pedra Filososal), ou, ainda, os romances conspiratórios de Dan Brown. Por isso mesmo, quando vemos um título como Esperando Godot, é natural assumir que a identidade do Godot e/ou o contexto de sua aparição serão de imprescindível importância à trama. Afinal, caso contrário, por que ressaltar o personagem a tal ponto de nomear a própria obra atrás dele?

Trata-se, contudo, de uma expectativa enganosa: Godot nada mais é do que o equivalente literário do conceito de MacGuffin popularizado por Hitchcock:

"[É]o dispositivo, o artifício, ou os papéis que os espiões estão atrás… A única coisa que realmente importa no filme é que os planos, documentos ou segredos pareçam de vital importância para os personagens. Para mim, o narrador, eles não têm qualquer relevância."

Godot nunca aparece. Ao leitor é entregue apenas vagas descrições de sua aparência. A sua identidade per se não é o que importa, mas, sim, o que ele representa, o que também é vago e aberto a interpretações. Godot pode representar a esperança, ou a liberdade, ou a salvação, ou redenção, ou simplesmente uma alegoria a Deus. A força do personagem jaz justamente na sua obscuridade, como explica David Mamet no seu Three Uses of the Knife:

"Quão menos específicas as qualidades do MacGuffin forem, mais interessada a audiência ficará… Uma abstração vaga permite aos membros da audiência projetar seus próprios desejos num alvo essencialmente ausente."

Esperando Godot foi escrita por Samuel Beckett em meados dos anos 50, numa Europa ainda se recuperando das calamidades da Segunda Guerra. Trata-se não de um romance, e, sim, de uma peça teatral, constituída por apenas quatro personagens: os amigos Vladimir e Estragon, à espera de Godot por uma “prece” ou “vaga súplica”, como indicado pelo segundo; Pozzo e Lucky, mestre e servo, respectivamente, que cruzam caminhos com os dois herois em meados de cada ato em estados drasticamente diferentes; ainda, há a presença, no desfecho de cada ato, de um mensageiro de Godot, que, em ambas as ocasiões, desculpa-se pela ausência do mesmo e promete que, no dia seguinte, ele aparecerá (prometa essa que nunca se cumpre).

Ao longo das poucas mais de duzentas páginas da peça, a ação é mínima, a narrativa é ancorada nos diálogos e divagações dos personagens, que frequentemente se entregam a uma stream of thought coletiva, complementado as ideias uns dos outros, ou denotando suas contradições e/ou implicações, num hábil exercício linguístico recheado de humor negro e sutis críticas sociais.

Também vale a pena ressaltar a forma como Beckett distorce, gradativamente, a noção de tempo da história, a ponto de pôr em dúvida tanto o leitor quanto os personagens a real duração dos eventos. É dito no começo da peça que o par de protagonista está há dois dias à espera de Godot, mas surgem inúmeros indícios ao longo da narrativa que contradizem isso – como o fato de Pozzo não se lembrar deles, ou a árvore – o único elemento na paisagem desoladada peça – aparecer subitamente folheada no segundo dia, quando no primeiro estava totalmente “nua”.

Esperando Godot é um dos exemplos mais conhecidos e memoráveis do Teatro do Absurdo, termo criado nos anos sessenta para designar uma série de peças das décadas anteriores que, embora bem diferentes entre si, compartilhavam de várias características em comum, como o enredo muitas vezes non-sense e diálogos naturalistas e evasivos.

No Brasil, a peça foi publicada pela editora Cosac Naify numa edição de luxo, com acabamento em capa-dura e vários extras, como fotografias das numerosas interpretações da peça e diversos artigos que visam a dissecar os significados da obra, oriundos de especialistas da área eprincipalmente, de Beckett. A tradução foi feita pelo professor de Teoria Literária da USP, Fábio de Souza Andrade, com apêndices que esclarecem pormenores do texto.
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Rosa Santana 29/03/2010minha estante
Estava parodiando Shakespeare "Ler ou não ler `Esperando Godot`", era a minha questão. Pronto! Ela se desfez. Vou ler, graças à sua resenha, excelente, diga-se de passagem! Parabéns!




Lady Lazarus 18/01/2023

Eu continuo esperando
Depois de ler os ensaios no final da leitura do livro? Por sinal os ensaios são incríveis. Eles representam a maior demora da leitura, já que Esperando Godot é bastante curto, acabando em 120 páginas.

Ler os ensaios foi simultaneamente denso e imersivo. Alguns continham um aprofundamento filosófico existencialista, outros perspectivas histórico-culturais das encenações dessa peça ao redor do mundo, também houveram tecnicismos do mundo do teatro que li no limiar da ignorância.

Retomando, depois de ler os ensaios já não sei se o esforço do Beckett (se é que há esforço) é ser completamente ausente de significância, ou universal de significância. Eis mais uma coincidência do duplo?

Talvez nossas tentativas em enquadrar Esperando Godot como sendo alguma coisa é porque a significância da obra é a única possibilidade na ausência de um Beckett dirigindo a peça e concretizando o valor ?estilístico? por meio da obsessão com os aspectos mais práticos e dramáticos, como luz, atuação, cenário?
Já que os ensaios deram a entender, ao citar certas respostas do autor, que ele estava preocupado não em deixar uma mensagem, e sim aperfeiçoar os recursos técnicos.

De qualquer forma, Esperando Godot se apresenta sim como uma obra muito camaleônica e eu já imaginei mensagens, significados ? intentados ou não ? com base em elementos da peça que inevitavelmente me afetam (e nesse caso sou uma metonímia pra universalidade)
A exemplo da completa dissolução do tempo, ou talvez suas inescapáveis amarras. A espera. Existir por si só e a variabilidade de leituras ? da gratidão ao sufoco?
Gosto do elemento central do livro ser a existência. Com um ponto final enfático. O sujeito se é e pronto, fica na espera. Quanto a isso, nada a fazer.
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Rodrigo Brasil 28/05/2020

A espera dos homens
Esperando Godot é a principal obra do Teatro do Absurdo.
Onde a condição humana é dissecada por Beckett. Acompanhamos a história de Vladimir e Estragon no meio do nada, juntos apenas de uma árvore .
Eles estão esperando Godot, eternamente, não tem noção de tempo, de nada.
Refletem sobre aquela situação, mas não tem o que fazer, apenas esperar.
Esperar que um dia chegue a salvação, a morte? Não sabemos, não há o que fazer.
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Giovanavski 27/05/2024

Não curti muito, primeira vez que li uma peça de teatro. Só li mesmo pelo desafio da Rory. Preciso assistir a peça pra compreender melhor. Talvez a leitura assim fique mais interessante. Além de que não entendi direito.
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