@garotadeleituras 19/05/2016
A inércia social e a vida dos esquecidos
"Você é o povo. Enquanto tiver paciência de burro, há de levar pauladas." (pág. 184)
Verga nos apresenta um clássico inovador, seja na época da sua estreia em 1881, na Itália, onde o autor deixa para trás o romantismo e abraça o naturalismo, assim como, mesmo depois de séculos choca pela realidade impregnada de uma gente vítima das condições sociais, os vencidos pelo sistema. Os malavoglia na verdade, era o primeiro de uma coletânea/série que tinha o objetivo de retratar o cotidiano e suas sutis particularidades, usando como tomo, a realidade de gente comum (gente como gente) que luta todos os dias para sobreviver, mas que o autor acabou abandonado antes de concluir o projeto.
O foco dessa gente miserável e sua condenação pela imobilidade social são os pilares de construção da obra. Toda a estória gira em torno da família Malavoglia e o patrão ‘Ntoni, pescadores e habitantes de uma pequena aldeia. A nora, chamada de Longa, casada com o Bastianazzo,lavava roupa para fora, o patrão ‘Ntoni e os netos (‘Ntoni, o mais velho, Luca, Mena, Alessi e Lia) trabalhavam por dia ajudando como podia para a sobrevivência.
Inicialmente, na luta por manter a tênue esperança para sair da inércia do qual se encontram, acabam por aceitar o negócio dos tremoços, com a ajuda do capital emprestado do Tio Crussifisso. Entretanto a barca Providência sofre um naufrágio, não só a carga é perdida, assim como o Bastianazzo morre. Lembrei-me daquele provérbio, que diz: "Para pobre, toda desgraça é pouca."
Por falar em provérbios, a narrativa inteira é pontuada por suas aparições nos diálogos. Sejam para expressar uma afirmativa, uma desgraça, uma comemoração, conformação ou esperança. Onde há uma fala, provavelmente anuncia a citação de algum provérbio popular para expressar a sabedoria e ancorar esses miseráveis, que nada possuem, exceto a vontade de vencer mais um dia enquanto houver um pouco de vida.
-“Bom tempo e mau tempo nunca duram todo o tempo!”
Após a tragédia dos tremoços, os malavoglia acabam perdendo tudo, inclusive a casa da nespepeira, símbolo das raízes, como também do orgulho e ancoradouro, depois de um dia sofrido na labuta. Durante toda estória, esses personagens passam a lutar contra a degradação e os problemas diários, que por sinal, vão se agravando de tal forma, que acaba finalmente minando as esperanças de que é possível sobreviver e se estabelecer novamente.
"- Está vendo como o avô lutou a vida inteira? E agora que é velho ainda luta como se fosse o primeiro dia, para sair da lama? É este o nosso destino."
Sobre os personagens, nada como delinea-los de forma tão precisa, sendo possível lhe imprimir um caráter humano e comum; se olharmos bem, conseguimos vê-los transpor para a realidade, como o neto ‘Ntoni, que aqui e acolá se revolta, insatisfeito com a realidade, mas que não consegue se sobressair e acaba se camuflando numa vítima do sistema, ou ainda o tio Crussifisso, o sovina, opressor, que espera sempre tirar proveito da situação. A vizinhança nas portas e janelas que narram os acontecimentos da vida daquela forma peculiar dos interiores...
Giovanni Verga explica sua obra com a seguinte citação:
O caminho fatal, ininterrupto, sempre cansativo e febril que trilha a humanidade para alcançar a conquista do progresso é grandioso em seu resultado, visto no conjunto, de longe. Na gloriosa luz que o acompanha, diluem-se as irrequietudes, as ganâncias, o egoísmo, todas as paixões, todos os vícios se transformam em virtudes, todas as fraquezas que ajudam o trabalho desmedido, todas as contradições, de cujo atrito brota a luz da verdade. O resultado humanitário cobre tudo o que há de mesquinho nos interesses particulares que o produzem, justifica-os como meios necessários para estimular a atividade do individuo que, sem saber, coopera para o bem de todos.
É um clássico diferente dos quais já li. Se você espera dramas familiares entre pai e filho, romance convencionais com a moça e o mocinho declarando sentimentos, ou ainda, espera uma guinada do destino onde tudo termina bem, esqueça! Temos aqui, pai e filho lutando por sobrevier a fatalidade, uma mocinha controlada pela vontade da mãe, usando como critério de escolha, a condição social, uma narrativa onde o ritmo parado é mantido do primeiro ao último parágrafo entre outras nuances.
Para apreciar os malavoglia e suas desventuras, é necessária uma pitada de persistência, captar o viés crítico social do texto, idéia primordial do quadro pintado por Verga. Outra coisa, não temos aqui, um clássico, que apesar de ser relativamente curto, fluído e de leitura rápida. É como as coisas boas da vida, precisa de tempo e atenção para ser apreciado adequadamente. É uma leitura densa, de certa forma complexa, mas que se realizada com a devida atenção e dedicação, nos deixará grandes impressões. #Recomendo.