valentine 04/01/2023Um equívoco perigosoAqui vai uma pequena lista de algumas coisas que Paulo Coelho ensinou errado neste livro:
1. Todos os personagens neste livro "enlouqueceram" porque tinham privilégios e não conseguiam ser felizes com eles. A doença mental não é uma doença de elite, muito pelo contrário, é uma doença que certa classe tem o privilégio de reconhecer e verbalizar (como disse Andrew Solomon em "O Demônio do Meio-Dia), e este livro é só para quem está aborrecido com a vida e precisa de um discurso motivacional no maior estilo coach para aprender a ser mais grato com o que tem na vida - mas não, fulano, você não tem depressão só porque você gostaria de ter ido atrás do seu sonho de infância. A sua depressão não é curada quando você vê alguém em uma situação pior do que a sua, te fazendo perceber que você deveria ser mais grato. Ingratidão não é doença e não causa internação.
2. Em sua grande maioria, os atos suicidas são impulsivos, não uma escolha consciente que você mantém por semanas. Como Paulo descreve já na primeira página: "há uma grande distância entre a intenção e o ato".
3. Amargura não é doença. Precisava dizer?
Este livro certamente não é sobre doenças mentais. Apesar de retratar bem a sensação de síndrome do pânico, a narrativa se perde em descrições sobre esquizofrenia e depressão, mas todas elas parecem ser magicamente curadas com a gratidão e a realização dos seus sonhos. E nisso eu estou só dissertando sobre a má representatividade de transtornos mentais, ao qual eu costumo ser bem compreensiva, já que o livro foi escrito em 97, uma época ainda ruim (mas não muito, bastava uma boa pesquisa) para a compreensão de transtornos mentais. Ainda tem a escrita horrível e os personagens que parecem terem todos a mesma personalidade, falando da mesma forma, em uma linha de pensamento morna, uma narrativa que se perde nas deliberações do próprio autor, com suas dúvidas e crenças sobre o mundo, especialmente sua religião. Você pega pra ler um livro sobre alguém que luta contra pensamentos suicidas, procurando identificação, e encontra capítulos arrastados sobre questões espíritas.
Esse livro também merece um parágrafo de menção honrosa a coisa horrível que é Paulo Coelho escrevendo sob a perspectiva de uma mulher, que no ápice de seu ato suicida recebe um aceno de um homem e se sente feliz por estar sendo desejada! Incrível. É isso mesmo que as pessoas pensam quando estão prestes a morrer. Isso é só a ponta do iceberg sobre parágrafos sobre masturbação, namorados e uma coisa horrível sobre os desejos de Verônika para com seu pai, uma influência nada bem-vinda dos piores pensamentos de Freud.
Enfim. Achei ruim em todos os aspectos. Uma disseminação tenebrosa na base de achismos do autor e um sexismo exarcebado, que influencia uma geração de pais a diminuir os sentimentos de seus filhos até que isto se torne um transtorno, sob o pretexto de que basta olhar a vida com outros olhos e serem mais gratos. O que você escreve importa, Paulo Coelho. Bastava uma pesquisa, ou deixar a porta aberta para que alguém que tivesse tido a experiência pudesse escrever este livro no seu lugar.