Paulo 04/06/2021
"Perder é morrer! Você pode ganhar mil lutas, mas você só pode perder uma!"
Drizzt Do'Urden é um personagem que faz parte do cânone de Forgotten Realms, um dos cenários de campanha mais populares para o RPG Dungeons & Dragons (D&D). Drizzt é um elfo negro (drow), uma variação da espécie dos elfos que tem a pele escura e cabelos brancos, vivem nas profundezas do Subterrâneo e são conhecidos por serem malignos e cruéis. No entanto, Drizzt é um elfo negro atípico que, diferentemente dos outros de sua espécie, escolheu viver na superfície e em paz. Sua primeira aparição foi como personagem secundário em um dos romances ambientados no cenário, “A Estilha de Cristal”, que faz parte da trilogia do Vale do Vento Gélido, escrita por Robert Anthony Salvatore, aka R.A. Salvatore, autor de fantasia e ficção científica conhecido por vários romances ambientados no cenário. Porém, o personagem ficou tão famoso que acabou virando protagonista das próprias histórias
Dito isso, Pátria é o livro que começa a traçar a origem de Drizzt Do'Urden, desde o seu nascimento, a sua criação e formação de sua moral, até o momento em que ele começa a se ver em conflito com o comportamento dos drow e em que decide abandonar Menzoberranzan, ao mesmo tempo em que nos apresenta uma intriga envolvendo um jogo de poder entre duas Casas drow em ascensão. Paralelamente, o autor nos apresenta a magnífica sociedade drow, uma das mais perigosas do universo de D&D. Durante a leitura, vamos descobrindo seus costumes, castas, clãs, religião, filosofias e funcionamento, assim como a geografia, fauna e flora do Subterrâneo. Mas não espere descrições tolkienianas, porque Salvatore parte do princípio que o leitor já conhece minimamente o universo de D&D. Porém, se você não conhecer, não tem problema também, e a obra serve como um ótimo ponto de partida. Aliás, o livro até possui um mapa de Menzoberranzan, mas sem muitos detalhes que o ligasse às descrições da narrativa, acabou sem muita utilidade para mim.
Há de se destacar que Drizzt preenche o estereótipo do guerreiro invencível. Para alguns, esse exagero incomoda um pouco. Mas este não é o objetivo da narrativa, e o fato dele ser “overpowered” dessa forma é parte integral da narrativa: mesmo sendo praticamente invencível nas batalhas físicas, o protagonista vive o seu maior conflito no campo emocional – o foco acaba sendo não os desafios físicos de Drizzt, mas sim os desafios morais constantes que ele tem de se deparar.
O mais interessante é os RPGistas estão acostumados e encontrar os “drow” sempre fora de seu lar, e a vê-los como “monstros”, criaturas, por natureza, malignas. Em Pátria, o autor R. A. Salvatore decide deixar esse maniqueísmo de lado, e nos leva para perto dessa raça sinistra, para discutir as motivações de seu comportamento tão vil. E por isso, mesmo tendo sido escrito e publicado no começo dos anos 90, Pátria se mantém atual, com uma reflexão e uma crítica atemporal sobre a propagação de mentiras, discursos de ódio, ambição, pessoas manipuladoras e os perigos de não questionar o senso comum, tudo isso embalado em uma narrativa de fantasia.
Enfim, mergulhar nesse universo dos elfos negros é um deleite para os fãs de fantasia, seja você um RPGista interessado em se aprofundar no universo de Forgotten Realms ou não. Esqueça tudo o que você experimentou com a trilogia do Vale do Vento Gélido: em a Lenda de Drizzt, Salvatore abandona os clichês do gênero, e em vez de uma jornada através de reinos colorido, nos conta uma história sobre conspirações e traições, sobre amadurecimento, e que ainda trabalha temas como moralidade, natureza x criação, e sobre o sentimento não pertencimento, ou seja, sobre crescer em um ambiente onde você se vê como um completo estranho perante seus iguais. O ritmo é bom, mesclando tramas políticas e desenvolvimento dos personagens, com cenas de ações dinâmicas que não se prolongam demais. Além disso, Pátria é repleto de personagens inesquecíveis e bem construídos, e nos faz viajar por cenários grandiosos e perigosos: o Subterrâneo é um cenário extremamente criativo, com suas matas de fungos, em que cogumelos gigantes substituem árvores. E apesar de ser apenas o primeiro livro de uma série e ter um final aberto, Pátria tem um fechamento bem satisfatório para o primeiro ato da vida de Drizzt. E além de ser uma excelente leitura, A Lenda de Drizzt Vol. 1 – Pátria é um prato cheio para alimentar as suas ideias em aventuras de RPG: todo jogador de D&D deveria ler isso para ter uma visão mais rica dos elementos do Subterrâneo e da sociedade dos “drow”. São detalhes que fazem o livro agregar mais do que mero entretenimento literário para RPGistas.