Os vestígios do dia

Os vestígios do dia Kazuo Ishiguro




Resenhas - Os Resíduos do Dia


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Otávio - @vendavaldelivros 01/10/2020

Os vestígios do dia, de Kazuo Ishiguro, é desses livros que definitivamente não podem ser julgados pela capa (ou, nesse caso, pela sinopse). Como um livro sobre a história de um mordomo pode ser tão profundo e perturbador ao mesmo tempo? Particularmente, a postura do Mr. Stevens me é perturbadora. Toda sua incapacidade de agir e tomar atitudes fundamentais para sua vida, a cegueira completa em relação à sociedade e ao próprio patrão que claramente se aproximou dos nazistas no pré-guerra, são pontos que incomodavam.

Um livro de camadas profundas e feridas abertas. Arrependimentos e escolhas erradas. Um ponto de vista diferente sobre a sociedade inglesa no pré e no pós-guerra. Mas, acima de tudo, uma demonstração de como seres humanos podem desperdiçar sua vida mesmo quando acham que a estão tornando fundamentais.

site: https://www.instagram.com/p/B82dHSNHQC9/
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Claire Scorzi 07/02/2009

Beleza Incomparável
Kazuo Ishiguro poderia ensinar umas coisinhas a Vonnegut, por exemplo, como contar uma história sem pieguice mas profundamente tocante. Não ficamos frios diante desse romance belíssimo, complexo com aparência de simples (complexidade pelas impressões que provoca, não por questões de estilo: Ishiguro não cria palavras nem inverte a seqüência da narrativa nem faz outros malabarismos na forma), contido e tão belo que mesmo na tradução as palavras parecem estar todas no lugar exato. Repito a qualificação da beleza, "belíssimo", "tão belo". Porque é assim. A história de Stevens, um dos personagens inconscientemente infelizes de Ishiguro (outra é Kathy, de "Não me Abandone Jamais") pode fazer pensar sem esforço do autor, ou comover sem que se saiba explicar direito.
Talvez o mais próximo seja dizer que a leitura de "Os Resíduos do Dia" gera emoções diversas - de saudade, de perda irreparável, e de coragem.
Vivi 12/09/2013minha estante
Alguém sabe o nome do filme que foi baseado neste livro?


Daniel 24/01/2014minha estante
O filme cham-se "Vestígios do Dia", com os excelentes Anthony Hopkins e Emma Thompson




Rafa Amorim 27/11/2022

O indivíduo modelado para servir, a engrenagem perfeita. Mas para se modelar alguém não se precisaria em determinado momento fazer uso de um martelo? Mas e se ao invés de uma marretada, fossem suficientes pequenas batidas, discretas, tentando evitar a todo custo produzir ruídos?

Stevens, o mordomo, serviu de corpo e alma a um mestre, a uma família. Stevens era o mordomo de um Lord, Lord Darlington, o aristocrata antiquado, daqueles Lordes que se sentam na Câmara dos Lordes pelo único mérito de pertencer a uma família aristocrática histórica. Stevens está agora no fim de sua vida. Lord Darlington evaporou-se, levado como poeira pelo vento. Stevens serviu a um homem, entregou a ele seus melhores anos, confundindo o amor e orgulho que sempre sentiu por sua função a uma obrigação.

A casa de Lord Darlington é vendida a um empresário americano, mas Stevens permanece ao seu serviço, recebendo inesperados dias de folga em que aproveita para encontrar a governanta com a qual trabalhou no passado e que escreveu a ele recentemente para informá-lo de que ela estava se divorciando e não parecia muito certa sobre o que fazer com os anos que lhe restavam.

Stevens lê da carta o que é apropriado ler dela ou ao menos é isso que Ishiguro no faz transparecer, mas é o desejo em nós que nos revela a camada debaixo desse relacionamento.

Ishiguro trata com delicadeza o tema solidão e arrependimento. Belo livro.
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Wamarisen 09/10/2023

Não se pd estar eternamente pensando no que poderia ter sido
O início passa uma impressão de quem não quer nada com nada, de que serão apenas experiências monótonas de um mordomo e acaba sendo parado. Mas no decorrer algo atrai a atenção, desde a escrita divina até as situações relatadas e aquilo me gerou uma curiosidade genuína já que gosto bastante de ouvir pessoas contam sobre si.

Quando me dei conta eu estava devorando as páginas rapidamente, a escrita fluía e tudo era delicado e profundo mesmo que a primeira vista não parecia ser. Eu me sentia tocada e acolhida mesmo que não houvesse nada realmente como gatilho

No fim eu adorei ler isso, há reflexões reais e relações construídas com o tempo sem ser aquilo de que sempre ambos devem estar presentes e se falando com frequência
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otxjunior 11/02/2015

Os Vestígios do Dia, Kazuo Ishiguro
Assim como em seu romance mais famoso, Não me Abandone Jamais, temos no anterior Os Vestígios do Dia uma estrutura de memórias fragmentadas, vindas à tona quase que subconscientemente pelo narrador. Mas aqui o talento de Kazuo Ishiguro é ainda mais nítido pela peculiaridade de seu protagonista. Pois não acreditamos com facilidade no que o narrador decide revelar e muito do que apreendemos está no não dito, assim que vamos percebendo a personalidade insípida de Stevens. Mordomo por longa data, Stevens não está acostumado a expor seus sentimentos e opiniões, suas apreensões são apenas sugeridas já que provavelmente o assombram demais a ponto de não admiti-las para si mesmo. O medo de seu trabalho devotado e lealdade terem sido em vão, agora no período em que a cultura de mordomos está se extinguindo, é sobreposto por seu princípio de dignidade da profissão, herdado do pai, também mordomo.
Stevens é forçado a analisar sua carreira/vida quando parte em uma viagem para visitar a antiga governanta com quem trabalhou numa mansão rural na Inglaterra. Em Darlington Hall, ambos tiveram um relacionamento que poderia ter sido desenvolvido em um romance senão o profissionalismo exacerbado de Stevens. Este parecia não ter vida fora do trabalho e acreditava estar colaborando, no exercício de sua função, mesmo que nos bastidores, para os grandes planos da humanidade, já que a mansão era palco de reuniões políticas decisivas entre os aristocratas de diferentes nacionalidades no período entre Guerras. Fui marcado particularmente pelo momento em que Stevens é confrontado com as inclinações nazistas de Lorde Darlington, mas mantém-se fiel à memória do nobre, mesmo após muitos anos de sua morte.
Belamente escrito e com um final que respeita o histórico do personagem, Os Vestígios do Dia apresenta um homem perdido e solitário em um mundo em mudanças, ainda que este não esteja pronto para mudar e para aquele, mudanças não são da sua natureza.
Nanci 11/02/2015minha estante
Lindo livro! Gostei da sua resenha.




André Vedder 01/05/2024

Nas entrelinhas...
Minha terceira obra do autor e uma das características que mais admiro na prosa de Kazuo Ishiguro é a forma de como ele escreve nas entrelinhas durante sua narrativa. Dentro de uma escrita limpa e direta, sem muitos floreios, ele não é de explicar muito, então cabe ao leitor juntar as peças ou elucubrar situações. E aqui em "Vestígios do Dia" temos mais um ótimo exemplo disso, personificado nas memórias de seu personagem principal, um já veterano mordomo inglês do século passado.
Personagem esse muito bem construído pelo autor, pois mesmo sem nos dar muitas informações sobre, é através das suas recordações, ações e pensamentos que vamos conhecendo sua personalidade.
Kazuo Ishiguro nos diz muito com pouco.

Rodrigo1001 01/05/2024minha estante
Adorei esse livro!




Mattheus Moraes 05/09/2020

O ponto de vista de um mordomo que trabalha para um poderoso Lorde inglês, no contexto da Alemanha Nazista, é genial.
Eu não tava animado pra ler esse livro, mas a história é tão diferente de tudo que já li, que me cativou bastante.
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Leila 11/09/2023

Os Vestígios do Dia, por Kazuo Ishiguro, é uma obra que nos transporta para uma época passada, uma Europa pré-Segunda Guerra Mundial, enquanto nos guia também pelo pós-guerra através das memórias do protagonista, Stevens. A narrativa, repleta de nostalgia, é um testemunho impressionante da maestria de Ishiguro em criar uma atmosfera densa e introspectiva, algo que também encontramos em outras de suas obras, como Não Me Abandone Jamais, Klara e o Sol e Um Artista do Mundo Flutuante.

Uma das características mais marcantes do livro é o tom melancólico que permeia toda a história. O protagonista, Sr. Stevens, é um mordomo leal e dedicado que trabalhou em Darlington Hall, uma mansão inglesa, durante décadas. Sua voz narra os eventos passados com uma mistura de saudosismo e resignação, e isso cria uma atmosfera intensamente comovente. Ishiguro utiliza habilmente a voz de Stevens para explorar temas profundos, como a passagem do tempo, os arrependimentos da vida e as escolhas que moldam nossos destinos.

A ambientação da história em uma Europa prestes a entrar em guerra, com personagens que flertam com o nazismo e que representam as tensões da época, adiciona uma camada de complexidade à trama. Ishiguro consegue pintar um quadro vívido da aristocracia inglesa naquela era, expondo suas preocupações, suas relações sociais e, ao mesmo tempo, as tensões políticas que se desenvolvem nas entrelinhas.

O protagonista, Stevens, é um personagem profundamente cativante. Sua dedicação ao dever e seu constante autocontrole criam um contraste fascinante com seus sentimentos reprimidos. À medida que Stevens viaja pela Inglaterra, suas reflexões e encontros com outros personagens lançam luz sobre sua própria jornada pessoal e os segredos que ele guarda.

Os Vestígios do Dia nos faz refletir sobre o que significa ser humano e as complexas escolhas que fazemos ao longo da vida. A escrita de Ishiguro é magistral, mantendo o leitor cativado do início ao fim. Sua capacidade de criar personagens ricos e cenários detalhados, bem como sua habilidade em explorar temas profundos, é evidente neste romance.

Enfim, gostei muito da leitura e aprecio o tom um pouco "depressivo" digamos, que o autor traz para suas obras. Ishiguro mais uma vez demonstra sua maestria em criar narrativas envolventes que nos transportam para mundos passados e nos fazem refletir sobre questões universais. Se você é fã de suas outras obras, este livro certamente não irá decepcionar, e se ainda não teve a oportunidade de conhecer a escrita ao autor, esta é uma excelente introdução ao seu talento literário.
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Disotelo 26/10/2021

Simples, Sofisticado e Profundo.
1-Enredo: Stevens é um mordomo bastante perfeccionista e possuí uma psique bastante eclipsada pelo seu papel profissional. O enredo começa quando ele recebe uma carta de uma antiga colega de trabalho e viaja por alguns dias para reencontrá-la. Durante a viagem ele se vê imerso em uma série de lembranças do período entre-guerras que o convidam a fazer uma avaliação de sua vida, as oportunidades desperdiçadas, a complacência dele com o patrão e a decadência da mansão onde trabalha.

2-Avaliação

A- Acessibilidade: O tal do livro simples com camadas.
B-Conteúdo: O livro trata muito bem de uma série de questões como repressão, convicções políticas, profissionalismo, cultura britânica, sentido da vida, alienação, tudo com muita simplicidade e sutileza.
É provável que o desenvolvimento do protagonista se configure entre os melhores desenvolvimentos de personagem da história da literatura. Os modos de falar de cada personagem são tão bem colocados que dá a impressão de que Ishiguro foi mesmo um mordomo na década de 30.
C-Trama: Bem desenvolvida, mas não esperem por nenhum grande plot twist.
D-Intensidade: Eu li com bastante entusiasmo, mas não é o tipo de livro que empolga todo mundo.
E-Concisão: Não tem gordura.
F-Verossimilhança: Por mais radical que seja a personalidade do protagonista, o enredo consegue soar bastante realista.

3-Recomendação: É um livro para pessoas empáticas, creio que as demais tendem a pegar raiva do protagonista.

4- Trechos Significativos
"Lembro-me daquele sujeito americano, ainda mais bêbado do que eu estou agora, que se levantou durante o jantar na frente de todos. E apontou para Sua Excelência e chamou-o de amador. Chamou-o de amador desastrado e disse que ele estava nadando em águas profundas. Bom, o que eu tenho a dizer, Stevens, é que aquele americano tinha razão. É um fato da vida. O mundo de hoje é um lugar sujo demais para os instintos nobres. Você mesmo já percebeu, não é, Stevens, o modo como manipularam uma coisa bela e nobre"

"A princípio, meu estado de espírito era — não me envergonho de admitir — um tanto deprimido. Mas depois, com o passar do tempo, uma coisa curiosa começou a acontecer; a saber, um profundo sentimento de triunfo começou a crescer dentro de mim. Não me lembro até que ponto analisei esse sentimento na ocasião, mas hoje, rememorando-o, não me parece difícil explicá-lo. Eu tinha, afinal, acabado de passar por uma noite extremamente difícil, durante a qual conseguira manter uma ”dignidade" condizente com a minha posição e, além do mais, de um modo do qual até mesmo meu pai se orgulharia."
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Babi 15/08/2022

Esta é a minha primeira experiência lendo um livro do Kazuo Ishiguro e acredito que será a primeira de muitas.
Fui totalmente envolvida nesta história...confesso que derrubei até umas lágrimas.
O final não foi exatamente o que eu esperava , mesmo assim não tira o brilho dessa leitura.

P.S :Impossível não lembrar de Dowton Abbey ( para quem assistiu a série,claro)
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Isadora 28/06/2023

4,5
Meu primeiro contato com a escrita do autor e eu já gostei muitíssimo. É um livro escrito em primeira pessoa, quase como uma conversa com o leitor ou então uma imersão nos pensamentos do narrador-personagem. É sobre deixar a vida passar na frente dos olhos e ser conivente com o que acontece ao seu redor, mas também sobre reflexões do entardecer da vida, e ainda sobre arrependimentos e paixões que nunca aconteceram.
É uma narrativa que, mesmo que de início não pareça, atinge uma sensibilidade enorme. Recomendo. Pretendo reler daqui uns anos, pois tenho certeza de que irá ser essencial para a Isadora futuro relembrar alguns detalhes importantes sobre como aproveitar o tempo que temos.
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Sayuri 05/04/2021

Meu 3° livro do Ishiguro
Eu adoro a escrita desse escritor e nesse eu acho meio impossível não se apegar ao protagonista, que é o clássico mordomo inglês apegado ao conceito de dignidade e ao perfeccionismo no seu trato com o seu patrão, a casa e os funcionários. Me doeu o coração quando ele percebe que a vida dele poderia ter sido de outro jeito, quem sabe se apaixonado, mas ele é bem resignado quanto a isso e reforça a posição dele de se entregar ao trabalho.
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Italo 02/03/2021

"Acredito que você deve conhecer os fatos da vida".
"Como?"
"Os fatos da vida, Stevens. Os pássaros, as abelhas. Sabe dessas coisas, não?"

Em dado momento do livro, o patrão de Stevens solicita que ele explique "os fatos da vida" para o afilhado, jovem no auge da sua mocidade. Kazuo Ishiguro narra as duas tentativas atrapalhadas que não dão certo, sempre interrompidas por afazeres mais urgentes, e depois esquece, não temos mais novas tentativas, o tempo se foi.

No fim do livro é justamente essa a sensação que permanece: seu tempo se foi, Stevens, já era. O tempo de conhecer os fatos da vida se foi, passou batido, e você foi cego para a vida.

Como haveria de Stevens explicar o que ele mesmo não sabe? O que nunca pôde entender? A sabedoria de um livro infantil como O pequeno príncipe nos alerta que "os olhos são cegos" e que "o essencial é invisível aos olhos", portanto "só se vê bem com o coração". Triste coração que há na servidão.

Do seu próprio jeito, esse livro é o Madame Bovary do Ishiguro. O cerne tá ali: cuidado com suas escolhas na vida. Aqui simplesmente ocorre o inverso: Emma quer viver, quer ter uma vida empolgante, frequentar festas, experimentar paixões. Mr. Stevens (nunca sabemos o primeiro do personagem, marcando a formalidade e impessoalidade que domina todo o livro) quer apenas servir, deixar as emoções de lado, cumprir suas tarefas, ser um bom profissional.

A emoção domina Emma, a seriedade domina Stevens. Emma se apaixona loucamente, cai em ruína e se suicida. Stevens não consegue reconhecer o amor, vive em ruína e nem capaz de suicídio é, visto que nunca viveu.

A mensagem tá aí: Stevens é uma sombra de vida, nunca pôde viver, nem sequer sabe o que isso, não tem os aparatos necessários para buscar esse sonho. A chance que teve, a mulher que o amava, ele deixou passar de modo infantil de tão atrofiado emocionalmente que é. Uma vida totalmente dedicada à servidão.

Fala-se de escravidão no livro, de liberdade. Não seria o pior tipo de escravidão aquele que você impõe em si mesmo? É cômico, no final do livro, quando um transeunte aponta mais sabedoria para Stevens do que ele foi capaz de ter a vida toda.

O mais triste é que depois de tudo, depois de falhar no objetivo de sua viagem, depois de saber pelos lábios da mulher que o amava que ela almejava uma vida com ele, dito de uma forma tão direta, ele parte concentrado no problema de como inventar gracejos para o deleite do patrão.

Stevens não é capaz de absorver de forma alguma o que Miss Keaton diz, sempre se imagina como a vida poderia ser melhor. Cuidado, cuidado, Ishiguro nos diz, você pode acabar comendo pelas beiradas e nem reconhecer isso, vivendo só com vestígios.

Os vestígios do dia do título não se trata das reminiscências contidas no livro narradas pelo Stevens. Os vestígios não estão no passado, e sim no presente. A vida como vestígio. Os vestígios de uma vida que nunca foi completa. Antes o suicídio.
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Rodrigo1001 01/02/2023

O Homem Cebola (Sem Spoilers)
Título: Os Vestígios do Dia
Título Original: The Remains of the Day
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 286

Os Vestígios do Dia é contado pela perspectiva de um único homem, em forma de diário. Com uma narrativa rememorada e muitas vezes contada de forma imperfeita, é recheado de reminiscências que contêm em si inúmeras outras linhas narrativas.

Permita-me dizer, já de cara, que o autor teceu aqui um romance extraordinário, um tour de force sacado com grande habilidade e esmerada eloquência.

Os parágrafos, belamente redigidos, fluem como água de rio e se manifestam quase como um “spleen” baudelairiano, sem, contudo, levar o leitor ao tédio existencial (se muito, a uma melancolia contida e a uma tristeza frente aos pensamentos do personagem principal).

É incrível, a propósito, constatar que Ishiguro escreveu esse livro em somente 4 semanas. Fiquei imaginando que tipo de catarse pode nos levar a tal estado mental de criatividade e inspiração. Possivelmente, algo que só um autor de calibre consegue alcançar.

Pois bem, para que você se ambiente melhor e para resumir o enredo sem qualquer perigo de spoiler, posso te dizer que o narrador desse livro chama-se Mr. Stevens. Tal narrador nos brinda ostensivamente com histórias do trabalho de prestígio e altamente valorizado de sua vida como mordomo em uma das grandes casas da Inglaterra, chamada Darlington Hall. É a história de sua vida nessa casa, basicamente.

Lendo nas entrelinhas, porém, revela-se como uma história comovente de uma vida totalmente dedicada a um único homem, o falho e decepcionante Lord Darlington, cujas escolhas políticas destruíram totalmente sua reputação, e, junto com ela, talvez a de seu mordomo.

Apresentando um nível da mais total e absoluta subserviência, pensamentos e constatações que mais parecem ter saído de um robô ou de um software de inteligência artificial, Mr. Stevens me intrigou desde o início. Foi espantoso perceber sua total incapacidade de auto-percepção sobre tudo o que não fosse ligado ao trabalho. Uma vida de convenções e caixas mentais das quais o interlocutor parece não conseguir escapar na maior parte do tempo. Stevens me parece o epítome do que é “estar alheio”, um personagem elegantemente construído e que só é desvelado mediante atenta análise do que está sob suas diversas camadas. Indo mais longe, eu diria que conhecer Stevens é como descascar uma cebola – e isso pode provocar lágrimas, inclusive.

Sem dúvida, as interações de Mr. Stevens com Mrs. Kenton, a governanta da casa, são o ponto chave desse romance. Mrs. Kenton é tão belamente dissecada pelo autor que fica praticamente impossível não amá-la, mesmo que, assim como o narrador, viva em torno de convenções que arrasam com seus verdadeiros desejos.

Enfim, me prolongar nessa resenha só colocaria em risco a experiencia que você, caro amigo, terá com esse livro. E será uma bela experiência, não tenha dúvida. Desde que concluí a leitura, ontem, me pego pensando no livro e em tudo o que ele me ensinou. Uma vida plena, a meu ver, não consegue habitar na mesma casa onde reinam convenções e normas rígidas. A vida é elástica. Perceba que ela, a propósito, me afastou dos livros por um bom tempo só pra me colocar aqui, hoje, de volta ao mundo das resenhas despretensiosas e da sua companhia.

Quero dizer, por fim, que estou feliz por ter regressado à casa de onde jamais, nunca, eu deveria ter saído.

Leva 5 de 5 estrelas cadentes.

Passagem interessante:
“De qualquer forma, embora se possa muito bem falar em “guinadas [da vida]”, só se reconhecem momentos assim olhando em retrospecto. Naturalmente, relembrando-os hoje, eles podem assumir o aspecto de momentos cruciais e preciosos na nossa vida; mas, a seu tempo, não foi essa a impressão que causaram. Nada indicava que incidentes tão evidentemente pequenos tornariam para sempre irrealizáveis sonhos inteiros”. (pg. 199)
edu basílio 01/02/2023minha estante
maravilhoso [aplausos]. sobre sua observação " (...) absoluta subserviência, pensamentos e constatações que mais parecem ter saído de um robô ou de um software de inteligência artificial." -- eu comparei a klara de "klara e o sol" precisamente ao mr stevens ^^




Ruh Dias (Perplexidade e Silêncio) 23/06/2020

Já Li
"Os Vestígios do Dia" foi publicado em 1989 e ganhou uma adaptação para os cinemas em 1993.
Brilhantemente narrado em primeira pessoa, Stevens, um mordomo inglês que dedicou sua vida ao serviço de Lord Darlington, recebe uma carta de uma ex-colega, a governanta Miss Kenton, descrevendo sua vida de casada, que Stevens acredita sugerir um casamento infeliz. Além disso, o Darlington Hall possui poucos funcionários e poderia usar muito uma governanta qualificada como Miss Kenton. Stevens começa a considerar uma visita à senhorita Kenton. Seu novo empregador, um americano rico chamado Farraday, incentiva Stevens a pegar emprestado seu carro para tirar férias merecidas. Stevens aceita e parte para a Cornualha, onde Miss Kenton (hoje Sra. Benn) vive.

Durante sua jornada, Stevens reflete sobre sua inabalável lealdade a Lord Darlington, que havia realizado luxuosas reuniões entre simpatizantes alemães e aristocratas ingleses, em um esforço para influenciar os assuntos internacionais nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial; sobre o significado do termo "dignidade" e o que constitui um grande mordomo; e em seu relacionamento com seu falecido pai, outro homem que dedicou sua vida ao serviço. Por fim, Stevens é forçado a refletir sobre o caráter e a reputação de Lord Darlington, bem como a verdadeira natureza de seu relacionamento com a senhorita Kenton.

Não é o que acontece no enredo que é importante, e sim, o que não acontece. Não é o que é dito, mas o que não é dito. Stevens parece uma pessoa real e não um personagem fictício e foi isso que conquistou minha atenção ao longo da leitura. Aliás, ele pode muito bem ser uma das figuras mais trágicas que tive a honra de ler. Stevens se esforçou ao máximo para fazer o que pensava ser a coisa certa e - ou seja, a lealdade inabalável a Lord Darlington - e, no final, tudo deu errado.
O mais interessante para mim foi que, como o livro é narrado em primeira pessoa, não podemos confiar no que está sendo dito. Conforme Stevens traz os flashbacks dos anos passados em Darlington Hall, vamos percebendo que ele próprio foi muito ingênuo e não percebeu muitos movimentos ao seu redor, sendo os mais flagrantes deles a associação de Lord Darlington ao nazismo e os sentimentos por Miss Kenton.
O leitor só consegue inferir os erros de Stevens quando Ishiguro retrata os diálogos de Stevens com os outros personagens e eu senti muita, muita compaixão pelo mordomo. Em sua ânsia por ser um "mordomo digno", ele se fecha à vida.

Para mim, a cena mais marcante foi a do falecimento de seu pai. Mesmo em meio à dor e ao luto, Stevens não deixa de lado seu papel de mordomo e segue trabalhando incansavelmente. A essa altura do livro, o leitor já sabe que Stevens se esconde dos próprios sentimentos, e vê-lo fugindo de si mesmo é dolorido e interessante.

Ishiguro criou uma narrativa sutil, elegante e perfeitamente trabalhada, com domínio preciso da linguagem, cenário e personagens. No fundo, é uma história de busca por algo irrevogavelmente perdido na vida, uma história de memória e sua indescritível falta de confiabilidade. É bonito e assustador, com um tom melancólico de nostalgia que vai se transformando em um arrependimento suave e tranquilo.

Em alguns aspectos, lembrei de outro livro, "A Improvável Jornada de Harold Fry" de Rachel Joyce. Em ambos, o protagonista é um homem de meia-idade que decide olhar para trás, reconstituindo pedaços de suas memórias e experiências para tentar atribuir algum sentido à sua vida.

Agora sou oficialmente fã de Ishiguro, um livro tão diferente de "Não me Abandone Jamais", um livro que também foi uma história incrível para mim. Porém, essa história é de qualidade muito diferente, mas igualmente alta, o que, na minha opinião, indica a qualidade do escritor, capaz de escrever histórias totalmente diferentes, ambas intrigantes à sua maneira.


site: https://perplexidadesilencio.blogspot.com/2020/06/ja-li-118-os-vestigios-do-dia-de-kazuo.html
@theus04 27/06/2020minha estante
Pq só 3 estrelas?? Se disse q gostou bastante




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