@tayrequiao 22/02/2024Entendo a importância, mas... É possível não ter uma boa experiência de leitura e, ainda assim, ser capaz de reconhecer os aspectos positivos de uma obra?
Pra mim, ficou muito claro que sim ao terminar a leitura do livro “O Escravo”, da Carolina Maria de Jesus.
Eu consigo reconhecer o feito realizado pela Carolina - autora que teve apenas dois anos de estudo formal e que, portanto, basicamente aprendeu a escrever sozinha, enquanto lia - ao escrever uma história que tem coerência.
Consigo identificar a quebra de paradigma do seu texto, ao optar por escrever sobre “o escravo”, sem se render ao apelo das histórias sofridas de negros escravizados ou de trabalhadores que vivem em condições análogas à escravidão no pós-abolição, inclusive sem colorir seus personagens.
Consigo me encantar com a sensibilidade com que ela olha ao redor e nos oferece reflexões sobre as diferenças entre classes e sobre o quanto somos todos escravos de algo: das estruturas sociais, das nossas escolhas, dos nossos desejos, do nosso destino.
Como, então, sabendo das suas qualidades e ciente do meu privilégio, posso avaliar um livro escrito por alguém que sequer teve acesso à educação?
Não posso.
A única coisa que posso fazer é avaliar a minha experiência de leitura. E, como leitora, eu não tive uma boa experiência:
‣ o texto escrito fora das “normas gramaticais” me incomodou profundamente. Novamente, oi privilégio
‣ o não aprofundamento dos personagens tornou a história rasa, superficial, o que dificultou com que eu me conectasse com eles
‣ as diversas inconsistências narrativas - descrições insuficientes, falhas na lógica, repetições de soluções, problema de ritmo, reiteração excessiva de argumentos - fizeram com que eu só quisesse terminar logo o livro
Pra mim, não tem nada pior do que essa sensação de querer que “acabe logo”.
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