Natasmi Cortez 03/10/2023Olha o que o amor me fazVocês não têm ideia do respiro aliviado que eu dei quando terminei esse livro. 168 páginas de sufoco, desespero e loucura. Nat, que é tão vazia de propósitos, sonhos e personalidade, se preenche de culpa, angústia e mal-estar. Uma comunidade hostil e desconfiada que a recebe cheia de julgamentos. Pessoas brutas e ignorantes que não inspiram um mínimo de hospitalidade. Tudo parece tão cruel. Até a paisagem descrita por Nat parece concordar com toda essa rejeição. O cachorro arisco que não suporta nem olhar para a cara dela, ou a casa caindo aos pedaços que parece gritar "vá embora". Deslocada e sem raízes, Nat parece vagar a esmo pela vizinhança. Não sabemos por qual motivo ela veio parar ali e muito menos entendemos sua motivação para permanecer.
A narrativa é densa e o clima é tão opressivo que chega a causar mal-estar. Não é um livro fácil de ler, e talvez seja exatamente por isso que eu tenha gostado tanto. É um desafio prosseguir nas páginas, exaustivo até e, no entanto, é como estar no fundo de um poço lutando desesperadamente para sair. Nós queremos sair, queremos trazer Nat conosco. Queremos estender a mão e puxar Nat do limbo no qual ela se encontra. Salvar a protagonista se torna o calvário do leitor. Sara Mesa constrói seu texto de forma simples e não parece fazer o mínimo esforço para embelezar a trama. A intenção é provocar, nos tirar da zona de conforto. A mente perturbada e obsessiva de Nat se confunde com a nossa e é desesperador transitar em meio ao caos de emoções e pensamentos que povoam a cabeça dela.
Um amor. Talvez seja isso que Nat busca, talvez seja isso que lhe falte. E é nessa falta que Andreas surge. Uma proposta indecente é feita de forma respeitosa e gera um vórtice luxurioso e perturbador na inércia vivida por Nat. Um simples diálogo começa a envenenar lentamente seu corpo e mente e parece tomar cada fibra de seu ser. Nat extrapola os limites do aceitável e deposita em Andreas todas suas neuroses. Ela está enlouquecendo e sabe disso. Uma não relação se forma entre Andreas e Nat. Ela parece ter todas as faltas e ele não está disposto a preencher nenhuma delas. Como em uma valsa de afetos e desafetos, os dois evoluem em sua proximidade. Quanto mais Andreas se ausenta, mais desesperadamente Nat tenta trazê-lo até si. A perseguição é o que nos exaure, mas Nat parece não perceber e ainda que percebesse, ela não quer desistir.
Nat parece trazer em si a combinação perigosa de falta de amor-próprio e arrogância. Ela acredita que é capaz. É capaz de transformar uma casa decrépita em lar, é capaz de transformar um cachorro desobediente em um amigo fiel e é capaz de transformar um homem frio e desinteressado em um homem apaixonado. Ela está disposta a tentar incansavelmente até conseguir, mesmo que pra isso tenha que se rebaixar de todas as formas possíveis.
Se eu pudesse fazer uma breve análise sobre a verdadeira motivação de Nat, ousaria dizer que o que ela busca de fato é ser punida. Ela cometeu um crime no passado e foi absolvida por isso. Esse fato é narrado em apenas dois momentos, e nos dois momentos ela parece indignada pela passividade com que foi tratada. Na falta de justiça, ela parece procurar uma forma de pagar por aquilo que fez. Não pelo fato do qual foi acusada, mas sim pelo fato de ter sido perdoada. Claro que isso é apenas minha visão dos fatos. Pelo sim e pelo não, é um fato indiscutível que Um amor proporciona uma leitura complexa e certamente será um prato cheio para aqueles que como eu, amam uma personagem doida e cheia de camadas.