Marianne Freire 07/07/2023
Um livro humano que conversa com nossos sentidos
Quem disse que a jornada do cuidado é fácil? ?Uma casa que não pode cair? de Júlia Jalbut é um livro que conversa conosco: a existência é para ser apreciada mas também é despedida.
Seu livro chegou logo no dia da morte do grande Zé Celso, nossa maior expressão do teatro nacional que deixa toda sua obra como uma herança valiosa, de admiração, paixão, liberdade e ?atuar para poder voar?. Ah, Zé e Júlia. Como no mesmo dia? Eu já passei por livros de luto. Já vivi muitos lutos. Já estive em hospitais. Mas desenhar a filosofia desse tema é delicado, pois as ferramentas que se têm está no repositório de sentimentos, e ninguém quer servir um café ao sofrimento e recebê-lo no sofá de casa.
Uma memória autobiográfica sobre luto e doença, ?a maior das proteções e também o desamparo?.
Júlia tem uma escrita forte, sóbria e lúcida, que mapeia sensorialmente um sofrimento real através da obra. Me lembrou Paula, de Isabel Alende. Pacientes que curam, de Júlia Rocha
Primeiros contatos, a médica que conheci que viu a morte pela primeira vez na residência. Por muitos momentos Júlia tem a referência literária de ?Sobre Estar Doente? de Virgínia Woolf.
Eu, Marianne, cuido da minha mãe. Já cuidei da minha irmã. Já cuidaram de mim por causa da minha dependência química de remédios controlados. Mas a maior parte do tempo, estou cuidando, sendo cuidadosa com a minha mãe. Como dizia Tom Veloso ?todo homem precisa de uma mãe?. Estar no hospital é ruim. É ver os dias, nuvens e céu por uma janela entreaberta e comer uma sopa que não tem sabor. Ter que clicar em um botão pra chamar o enfermeiro. É precisar de alguém para te levar pra fazer xixi. Mas o que quero falar, é que livros que nos fazem chorar nos fazem mais humanos. Menos herméticos, estáticos, preocupados com a beleza da crítica, mas preocupados em como ser mais humano.
Júlia não entrega tanatologia. Júlia entrega sabedoria, aprendizado, o seu olhar devagar, a calma da humanização.
Honestidade, compaixão tecem linhas bonitas de palavras de Júlia como cuidadora dos pais enfermos.
Júlia cria o interessante ?Café com cuidado? em sua casa, reunindo pessoas para falar sobre luto,vida e cuidado com muito acolhimento. Na obra, Júlia abre as portas da sua casa em 8 capítulos íntimos, reflexivos e que são apoio, informação, um transporte para uma realidade que pode ocorrer a todos nós: sermos cuidadores.
Obrigada Júlia pelos arranjos, pelas sutilezas, pela leitura móvel e não insólita do hospital (só quem já cuidou sabe).
A experiência do cuidar, a habilidade de escrever, estudar e reconhecer o luto.
Júlia faz uma valiosa literatura da fragilidade. Ela vai te ensinar como se cuida das estruturas de uma casa adoecida e te fazer se conectar consigo mesmo. O que eu não sei se ganham Jabutis ou Prêmios Kindle, mas ganham as premiações da alma.
#literaturabrasileira #literaturanacional