Vania.Cristina 06/03/2024
Algo a mais
Eu gosto de Emily Henry. Ela faz uso dos clichês das comédias românticas mas sempre tem algo a mais para dizer. E esse algo costuma acertar em cheio comigo. Gosto da visão de mundo que ela tem, que me parece progressista e saudavelmente contemporânea.
Lugar Feliz não foi diferente. Só não dei nota maior porque eu precisava de um livro conforto para evitar a ressaca literária que estava chegando, e demorei para encontrar isso aqui. A primeira metade do livro foi angustiante pra mim com a falta de comunicação entre os personagens, e só a partir do início da solução dos conflitos, na segunda metade do livro, é que encontrei o conforto que buscava.
A história é narrada, em duas linhas temporais diferentes, por Harriet, que é uma residente em neurocirurgia. No tempo presente ela está indo reencontrar os amigos queridos, que não vê a muito tempo, no litoral do Maine, no local que ela chama de "Lugar Feliz". Na linha temporal que narra o passado, vemos a amizade surgir, o grupo se formar, namorados sendo agregados e os personagens construindo suas jornadas escolares, profissionais e românticas.
Harriet e Wynn formam o primeiro casal que surgiu entre o grupo de amigos. Morando juntos a bastante tempo, eles representam o amor verdadeiro para o grupo. Mas eles não estão mais juntos e esconderam isso com medo da reação dos outros. Agora todos vão se reencontrar e eles vão ter que fingir que tudo está bem, que ainda são um casal, que não existem mágoas e tristezas.
É comum a gente ver na vida e nas histórias relacionamentos que surgem sem que os envolvidos se importem com consequências, com a possibilidade real daquele relacionamento afetar de forma ruim outras pessoas. Aqui é o contrário, Harriet e Wynn têm consciência de que o relacionamento deles e seus problemas podem prejudicar pessoas queridas, e se preocupam com isso.
Essa é uma daquelas histórias onde a amizade representa a família escolhida, por opção, não por laços sanguíneos. Aqui a amizade tem uma importância fundamental para os personagens.
Não que a família de sangue também não seja importante na história. Há famílias presentes e amorosas, e outras ausentes, mas todas fazem parte da construção dos personagens. Muitos carregam traumas, tristezas, têm dificuldades em se relacionar, por problemas que vivenciaram no ambiente familiar. No caso da protagonista, sua família nunca foi exemplo de diálogo, nem amorosa. Mas ela tem pais que se sacrificaram por ela e por seus estudos, e ela carrega consigo o peso das expectativas e da dívida com o outro.
Uma outra questão importante na história é a vida profissional e o trabalho. Nesse sentido, o livro de Emily Henry me remete a "Bem-vindos à livraria Hyunam-Dong", obra da literatura coreana contemporânea. Nos dois livros é discutido que nossa vida não se resume ao trabalho. Na sociedade existem profissões que esgotam o indivíduo e, muitas vezes, elas são honradas e apaixonantes. Outras vezes, nem isso. Mas de qualquer forma, nós merecemos mais. Merecemos romance, amizade, família, repouso, natureza, lazer etc.
O que fazer quando a vida nos afasta de importantes amizades e de quem amamos? Até que ponto o caminho que estamos seguindo é nossa escolha ou é expectativa dos outros? Até que ponto devemos lutar para construir o bem-estar futuro, pondo em risco o bem-estar presente?
Não existem respostas prontas e Emily Henry sabe disso. Seus personagens dão cabeçadas mas acabam encontrando o caminho da felicidade quando encaram suas verdades individuais, únicas e profundas.Quando encontram o equilíbrio entre o amor pelo outro e por si mesmo.