Emme, o Fernando 21/01/2018Reconfortante !O livro faz uma viagem pela experiência de diversos mitos do mundo (embora a maioria seja da mitologia grega). Após uma explicação breve sobre cada mito, é tecido um comentário com ênfase psicanalítica. A ordem em que os mitos são apresentados segue o ciclo da vida: nascimento, individuação, amor e relacionamentos, poder e ritos de passagem.
Isso torna essa obra muitas vezes mais interessante do que um mero manual sobre os mitos gregos. A análise psicanalítica abre espaço para que a experiência cale mais fundo em quem lê e permite que o leitor faça a partir disso várias reflexões.
Esse não é um livro de ajuda espiritual (auto-ajuda). A ajuda espiritual (auto-ajuda) é uma ideologia conservadora que justifica as práticas do meio social colocando o individuo como móvel das venturas e desventuras que lhe ocorram, escondendo as causas sociais daquilo que esse indivíduo tem de enfrentar em sua vivência.
Essa obra, pelo contrário, tenta resgatar a experiência que os antigos tinham com o mito. A função do mito não é explicar as coisas, mas produzir uma experiência que reconforte o indivíduo diante dos desafios que a vida lhe apresenta.
Embora o mito por si só seja dogmatizante, principalmente quando não guiado pela razão, a experiência do mito não é moralista:
"o mito propõe todos os valores, puros e impuros. Não é sua atribuição autorizar tudo que sugere.... O mito propõe, mas cabe à consciência dispor. E foi talvez porque um racionalismo estreito demais fazia profissão de desprezar os mitos, que estes, deixados sem controle, tornaram-se loucos." (Gusdorf, Mito e Metafísica).
Justamente por isso nós não podemos negar o valor da experiência do mito, essa experiência não moralizante que, se bem guiada, amplia nossa consciência.
É interessante notar que, enquanto eu lia sobre o mito de Mkunare e seu irmão Kanyanga, um usuário do skoob falava sobre sua leitura de A Revolta de Atlas de Ayn Rand. Se é verdade que para Mkunare o mundo é mesquinho e sem nenhuma compaixão, o que ele não percebe é que isso se dá por sua própria estupidez (talvez o mundo sem compaixão de Ayn Rand seja um bom exemplo da racionalidade cínica).
A razão em si justifica qualquer coisa. A razão precisa ser um instrumento da consciência e a experiência do mito pode concorrer para que assim seja.
Enquanto um colega de trabalho conservador falava sobre "a estupidez dos casais que dormem em quartos separados e só se encontram para trepar", eu lia sobre Ulisses e Penélope e os versos de Kahil Gibran:
"Deixai que haja espaços em vossa união...
E permanecei juntos, porém não perto demais.
Pois as colunas do templo são separadas,
E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro."
Mas quando tu achares que sabe o que é o amor, ainda existirá o mito de Frey e Gerda: o amor não se conquista por qualquer qualidade que tu venhas a ter ou qualquer habilidade que tu venhas a desenvolver, mas pelo que tu moves no outro....
E para aquelas que acreditam que através dos preceitos dessa ou daquela religião atingirão a verdadeira espiritualidade ainda há a iluminação de Buda, que abandona o ascetismo e compreende que a sabedoria vem através da relação com o outro....
Parece ser o livro perfeito para um pai ou um avô que se veem diante da necessidade de orientar um filho ou um neto...