Vitorcfab 19/02/2023
Ela Seria O Rei
Esse livro traz uma história longa e complexa, que cobre vários anos das vidas de muitos personagens, histórias que obviamente estão interligadas.
Cada uma dessas histórias me pareceu única e maravilhosa por motivos diferentes. São histórias cheias de sentimentos e com várias reviravoltas, que já são maravilhosas individualmente, mas em conjunto ajudam a compor um livro complexo e muito distinto.
Existe também um forte elemento de realismo mágico, uma vez que nossa narradora é o espírito de uma mulher escravizada, que acompanha os demais personagens ao longo de suas vidas. Alguns personagens também demonstram habilidades sobrenaturais, como força, invisibilidade e imortalidade, poderes que os ajudam em momentos decisivos de suas vidas.
O contexto histórico de colonização é forte, e teremos momentos fortes, violentos e extremamente pesados, uma vez que alguns desses personagens são pessoas escravizadas.
Toda essa violência é sim muito incomoda, mas me parece servir a um propósito, o propósito de representar de forma fiel esse período histórico, para mante-lo vivo em nossas lembranças, para assim garantirmos que não se repita.
Mas não apenas de sofrimento de pessoas negras esse livro é feito, temos também a celebração da origem africana, a busca por amor próprio, auto aceitação, liberdade, pertencimento, família, proteção e revanche contra o opressor.
No momento em que nossos três personagens principais (Gbessa, June Dey e Norman) se encontram, o livro passa a brilhar ainda mais.
O sentimento de pertencimento e família que nasce entre eles é lindo, o que traz também ainda mais força para resistir e lutar. E, como era esperado, a combinação de seus dons sobrenaturais é extremamente útil em vários momentos.
A escrita de Wayetu é linda, uma escrita calma, descritiva, criativa e contemplativa, que evita frases óbvias ou curtas, e consegue sempre expressar muitos sentimentos e reflexões. Sua escrita também pontua apenas os principais eventos, possibilitando ao livro cobrir vários anos das vidas de várias personagens de forma completa e complexa, mesmo tendo apenas 300 páginas.
E o final do livro foi.... poderoso.
Um final repleto de sentimentos e mensagens fortes, principalmente sobre resistência, luta, força, evolução e pertencimento.
Com certeza se tornou um dos meus favoritos da vida.
--- Personagens ---
Gbessa. É a primeira protagonista, uma garota que foi amaldiçoada desde o dia em que nasceu, e por conta disso sempre foi considerada uma bruxa, de quem todos faziam questão de manter distância. Isso fez com que ela crescesse como uma jovem solitária, mas de personalidade forte e muito independente. Ela sempre se considerou uma pessoa amaldiçoada, que jamais conheceria o amor de nenhuma forma, mas isso felizmente muda muito ao longo da narrativa. Seu desenvolvimento e evolução é um dos mais lindos e poderosos do livro todo.
Sufá. Um garoto que se aproxima de Gbessa. Seu grande sonho é ser um guerreiro que protegerá a vila, até mesmo as "bruxas".
Charlotte é a verdadeira narradora desse livro, que acompanha os demais personagens em uma forma espiritual. Era uma mulher escravizada, que sofreu todo tipo de violência durante sua vida, mas teve um filho com um homem chamado Dey, antes que suas vidas fossem encerradas de forma trágica. Ela é a personagem mais questionadora, que traz em sua narrativa várias reflexões sociais extremamente relevantes.
Darlene. Uma escravizada que encontra o filho de Charlotte. Ela cuida da criança e o chama de June Dey. Seu relacionamento materno com a criança é lindo, quase como se esse garoto significasse a salvação de sua vida, algo pelo qual valesse a pena lutar mesmo nesse mundo cruel e injusto.
June Dey. Filho de Charlotte que foi criado por Darlene. Cresce um rapaz leal à sua mãe adotiva, além de ter muito caráter e força interior. Também revela habilidades sobrenaturais úteis nos momentos mais decisivos de sua vida.
Callum. Um homem enviado para a Jamaica para estudar os povos maroon (escravizados fugitivos que se uniram, algo parecido com os quilombolas). Ele é um homem inteligente, violento, ambicioso, e capaz de atitudes terríveis, chega a ser incomodo acompanhar seus capítulos.
Nanni. Uma escravizada que, contra a própria vontade, acaba sendo obrigada a ajudar Callum, pois consegue se comunicar na linguagem dos maroon. Ela também tem uma tragetoria de vida violenta, e nas mãos de Callum passa por situações terríveis, incluindo violência física e sexual. Porém, ela carrega muita determinação dentro de si, um grande sonho de liberdade e força de vontade para proteger seu filho (fruto do abuso de Callum). Ela também tem um estranho dom sobrenatural de se tornar invisível.
Norman. Filho de Nanni e Callum. Depois do fim trágico dos pais, ele viveu uma vida solitária mesmo entre os maroon, utilizando principalmente dos conhecimentos que sua mãe havia lhe passado. Ele carregou dentro de seu peito um dos maiores sonhos da mãe, o de ir para a África.
Maisy. Uma garota que encontra Gbessa quando ela foi capturada. Mais uma personagem que tem um passado trágico, pois viu sua vila ser invadida por traficantes de escravizados, o que resultou na morte de boa parte de sua família. Maisy tem um instinto protetor muito forte, e se afeiçoa muito com Gbessa, ajudando-a e protegendo-a sempre que preciso, uma amizade linda de verdade.