amarogusta 10/08/2023
A pessoa que sonha é o objeto de desejo do outro
Quando ouvi que esta era uma etnografia dos sonhos yanomami, tive uma ideia suficientemente distorcida e fantasiosa do que isso significava. É claro que a não coerência com as minhas particulares expectativas não indica falta de qualidade do livro e da pesquisa, mas pode causar um momento de quebra na experiência do livro.
Hanna nos conta que diferentemente da noção Ocidental de sonho, os Yanomami têm essa atividade como base epistemológica, tomando como conhecimento empírico suas vivências enquanto despertos e dormindo. Sonhar é, para eles, a possibilidade de conhecer lugares onde nunca antes foram, ver outras pessoas e viver outras coisas. Os xamãs, líderes das aldeias, revivem e reconstroem cada um os mitos da cultura, por meio do sonho.
Falar sobre esse elemento tão importante aos Yanomami nasce da noção, gestada por Kopenawa, de que os brancos só sonham consigo e com suas coisas: seus problemas. Aprender a sonhar é ampliar suas possibilidades de aprendizado, do que se sabe. Sonhar com a floresta é sonhar com a Natureza, da qual fazemos parte, é importante lembrar.
Para além de todos os elementos linguísticos fantásticos e paralelos sutis ao que chamaríamos de alta intelectualidade (como a, já antiga, noção yanomae de um “inconsciente”), o livro é uma repetição de si mesmo. Claro, Hanna nos ensina muito, mas diz em 1/3 do texto o que quer dizer nele todo. Me chateei todas as vezes em que pensava que algo interessante seria introduzido e a autora simplesmete repetia algo já compreendido, abordado e relativamente aprofundado.
Façamos o favor a nós mesmos de sair dessa lógica antropocêntrica que elimina a noção da Natureza como nossa, como nossa origem e local de pertencimento. Que não esqueçamos quem somos e de onde viemos. Que aprendamos a sonhar e nos permitir ser o objeto do desejo do outro. Que sonhemos mais e mais longe. Que aprendamos com nossos sonhos.
Obrigado, povo yanomae, por me ensinar tudo isso.