Luiz 01/12/2023
O estudo profundo te leva à Roma
Livro: Todos os Caminhos Levam a Roma - Nossa jornada até o catolicismo
Autores: Scott & Kimberly Hann
O livro conta a jornada de um casal nascido em berços presbiterianos, de linha calvinista, rumo a Igreja Católica. Inicialmente pra quem não entende muito sobre a religião cristã, possivelmente não entenda o que isso signifique, mas fato é que pra quem está de posse das referências certas, perceberá que a grande mudança de mentalidade que é sair de uma Igreja Protestante, especialmente as mais tradicionais, até a Igreja Católica, e esse livro se propõe a servir como uma espécie de testemunho escrito de ambos os autores que ficaram muito conhecidos por sua conversão.
Pra quem não conhece, Scott Hann é um renomado teólogo, escritor de vários livros como: O Quarto Cálice; O Banquete do Cordeiro; Razões para Crer, e muitos outros. Scott teve grande repercussão ao dar seu testemunho de conversão e por ter participado de um debate contra o Dr. Robert Knudsen na defesa da fé católica.
A família de Scott é presbiteriana, e como o próprio autor comenta, não a religião e a fé não tinham um pilar central dentro dessa família, assim Scott em sua adolescência não vi muita importância em crer no evangelho. Tudo muda quando ao quase ir preso, conhecer um amigo que irá lhe evangelizar, utilizando na época um interesse amoroso que Scott possuía, desde aquele momento passou a se interessar cada vez mais pela Bíblia e pelo cristianismo, despertando uma grande vocação pra prática pastoral. Estudou a fundo os escritos de Lutero e Calvino, eram suas referências, e por conta disso tornou-se extremamente anticatólico, buscou converter todos que conhecia.
A história de Scott começa a mudar em meio à esses intensos estudos, a medida que mais se destacava e mais adquiria conhecimento, e mais renomado ficava, na conquista de empregos de professor e etc, foi se dando conta de que os famosos pilares da Reforma Protestante, como por exemplo o Sola Fide e o Sola Scriptura, foram cada vez mais não fazendo sentido, perdendo sua força com base na própria Bíblia, em paralelo sua busca por um entendimento mais amplo sobre a questão da Aliança e o tema do Controle de Natalidade, foram lhe direcionando para cada vez mais aos estudos católicos até por fim perceber que tudo que sabia sobre a Igreja Católica era mentira, e que o Catolicismo possuía muito mais base biblica, muito mais beleza em sua tradição, ritos e teologia que jamais poderia imaginar, sua conversão foi inevitável.
Kimberly, assim como Scott, vinha de uma família de presbiterianos, porém, em diferença a família de Scott, sua família era repleta de pastores, seminaristas e etc, existia um sonho de Kimberly em ser esposa de um grande pastor presbiteriano e ao conhecer e se casar com Scott, havia realizado este sonho. O processo de Kimberly à Igreja Católica foi muito mais doloroso e sentimental que Scott, enquanto ele foi se convertendo de uma forma mais "intelectual" por ver que nenhum argumento contra a Igreja Católica tinha de fato a força que pensava ter, Kimberly se rende a Igreja, inicialmente pela questão familiar, e num segundo momento de forma mais racional.
Ao perceber que a mudança de Scott para o Catolicismo era irreversível, que seus filhos logo se tornassem católicos por influência do pai. Kimberly via-se encurralada, pois ela não se permitia investigar os estudos católicos e ao mesmo tempo ver pessoas totalmente anticatólicas, amigas de Scott, se convertendo ou ficando sem argumentos contra essa doutrina, além de que percebia seu casamento sendo despedaçado a ponto de pensar em divórcio, teve seu momento de crise aguçado por se ver num futuro ilhada e isolada do restante da família, e num processo de muita conversa com amigos e familiares, assim como de oração, decidiu ao menos tentar analisar e percorrer o caminho que Scott havia trilhado e o porquê de Scott ter se rendido a fé católica, até de fato entender por si mesma que em muito do que acreditava saber sobre o Protestantismo e até mesmo o Catolicismo não eram de fato verdade.
O livro em si é muito bom de ser lido, é uma leitura que não te cansa, sendo possível ler muitas páginas em um dia, a escrita não é densa, muito pelo contrário, é bem leve. Em raríssimos momentos me senti entediado ao ler, pois é em grande medida muito interessante entender o processo do casal, bem como também o de cada um individualmente. O livro possui a estratégia de contar num mesmo capítulo eventos simultâneos do casal, inicialmente por Scott e depois por Kimberly, assim temos a noção de como aquele momento foi vivenciado pra cada um individualmente, e sua percepção sobre aquela situação.
O livro é tido hoje como um clássico da literatura católica, principalmente para os protestantes convertidos ao catolicismo. Confesso que gostei bastante do livro, mas não me impactou tanto quanto eu esperava quando ouvi falar sobre o livro. O livro sem dúvida possui seu mérito, tem partes muito marcantes, porém as que mais gostei foram algumas análises que Scott apresenta sobre o tema da Aliança e o Purgatório, bem como algumas partes em que se mostra a argumentação católica e protestante. Acredito que os livros apologéticos de Scott devem me impactar mais.
O livro em si é um relato de testemunho e quem for lê-lo deve possuir isso em mente, porém o lado positivo é que não é, de forma alguma, um relato chato de ser lido, funciona quase como um livro de romance de tema sobre conversão católica, e não falo isso de forma pejorativa, mas no sentido de que o livro consegue te prender e te deixar curioso em saber o que acontecerá a seguir, bem como um livro de literatura faria. Consegue nos mostrar o amadurecimento de um casal em momentos de crise.
A minha maior crítica ao livro fica no aspecto de que por diversos momentos possam parecer que o processo de conversão não foi tão intenso ou dolorido assim. Comento justamente por já ter visto vários relatos de conversão de protestantes ao catolicismo e em todos os relatos percebo o grande pesar sobre afastamentos de amigos, familiares e algumas vezes até de oportunidades de carreira e trabalho, o livro possui isso, mas me pareceu que foi de forma "suavizada". O relato de Kimberly sobre seu momento de crise foi bem forte, ficou mais nítido o como o processo em si foi ruim e repleto de angústia e conflitos, mas na parte de Scott isso foi muito minimizado, parecendo que não foi tão "dolorido" passar por esse processo, ainda que tenha sido mencionado a questão profissional de Scott ainda sim me pareceu ser "fluido" o processo.
Alguns dos relatos de conversão que já assisti escutei histórias de pessoas que desde sua conversão não tem contato mais com amigos de infância, pais e parentes que viraram as costas, pessoas que passaram dificuldades financeiras terríveis por sair do pastorado, marido ou esposa que não compreende a conversão; existem relatos emocionantes também de o como pessoas que eram próximas passaram agora a acusar de idolatria, e tantos outros termos ofensivos que o meio protestante promove fruto de ignorância. No caso do livro senti que essa carga emocional foi diluída, caso não tivesse sido acredito que o livro teria impactado muito mais, mas senti falta disso.
Senti que faltou mais os raciocínios teológicos que fizeram Scott, de forma detalhada, ir relatando a quebra de suas principais crenças e estudos. Mais referências suas como protestante, bem como as principais linhas propagadas, e quais autores especificamente lhe ajudaram a ir desmistificando esse conhecimento teológico. O livro possui isso sim de alguma maneira, mas acredito que poderia ser melhor trabalhado. Acredito que por um crítico protestante seja muito fácil argumentar que não percebeu o que exatamente foi todo o processo de conversão e o que isso implica e impacta na pessoa convertida, talvez parecendo até que um doutor em Teologia protestante não tinha tanto conhecimento teológico assim pra se converter ao catolicismo, quando na verdade sei que pra tomar esse tipo de decisão, não é emocional, como se costuma ver no meio protestante, mas sim, fruto de um intenso estudo. Acho que esse "feeling" tenha deixado a desejar um pouco.
O fato do livro ser relativamente curto, e até bem simples, talvez tenha sido preferível à um mais impactante teológica e emocionalmente, mas eu preferiria um livro mais denso e mais extenso, mas isso é opinião minha. Como disse, apesar das minhas críticas o livro não deixa de ser um livro que vale a leitura.
Pra quem é iniciante no estudo da fé é um livro muito bom de ser lido, mas pra quem quer algo mais teológico ou apologético, um livro testemunhal como este, talvez não contribua muito.
"Admitamos: o anticatolicismo pode ser uma coisa razoável. Ora, se a hóstia que os católicos adoram não é Cristo (e eu estava convencido de que não era), logo é idolatria e blasfêmia fazer o que eles fazem ao se ajoelharem e adorarem a Eucaristia. Eu tinha certeza disso e me dediquei ao máximo para difundir o preceito. Compreenda que meu ardente anticatolicismo nasceu de um zelo por Deus e um desejo caridoso de ajudar os católicos a serem cristãos. E eram os católicos que se embebedavam e me xingavam antes de eu me tornar cristão. Eu sabia de quanta ajuda eles precisavam."
(Scott Hann, p.23)
"Embora os reformadores -- Lutero, Calvino, Zuínglio, Knox e outros -- discordassem em muitos aspectos, eles compartilhavam a convicção de que o Papa era o Anticristo e de que a Igreja de Roma era a prostituta da Babilônia."
(Scott Hann, p.45-46)
"Gradualmente, adquirimos a convicção de que Martinho Lutero deixara suas convicções teológicas contradizerem as próprias Escrituras que ele teria, supostamente, escolhido obedecer, em vez da Igreja Católica. Ele havia declarado que uma pessoa não é justificada por suas boas obras de amor, mas apenas pela fé. Chegou a acrescentar a palavra "apenas" após "justificado", na sua tradução para o alemão da Rm 3,28 e chamou a carta de São Tiago de "epístola de palha", pois a Tg 2,24 afirma '[...] não somos justificados apenas pela fé'."
(Kimberly Hann, p.64-65)
"Assim como o Cardeal Newman antes de nós, Gerry e eu entendíamos que, se a Igreja Católica estivesse errada, ela não seria nada menos do que diabólica. Por outro lado, se estivesse certa, deveria ter sido estabelecida e preservada por Deus; mas não levávamos essa opção realmente a sério."
(Scott Hann, p.89)