alice 12/08/2023
Esani. Os sem fé.
Sem medo. Só fúria.
Um véu esbranquiçado desceu sob o céu, transformando a luz do sol em um resquício frágil e trazendo com sua sombra interminável, criaturas cruéis e antigas que buscam o domínio do império e a destruição dos humanos através das mãos de sangue do Rei Eterno.
Gabriel de Léon é filho desse mal, um sangue-pálido que odeia o pecado em suas veias e a sede em sua garganta mas, que ama Deus e segue a fé única da igreja. Ele é recrutado por MãoCinza para ser um iniciado no mosteiro de San Michon e futuramente ser nomeado como um Santo de Prata.
A história é narrada em forma de entrevista, Gabriel está sendo mantido como prisioneiro pela líder do clã Chastain e por exigência da alto-sangue, Gabriel discorre sobre sua história, as batalhas sangrentas que travou e o peso de ser chamado de leão negro, o amor que cultivou em solo proibido, sobre as consequências de seu pecado e a perda de sua fé no deus que o abandonou.
Os piores vilões aqui nem sempre são os vampiros, às vezes eles vestem batina ou um hábito e agem em nome de deus.
Gabriel passou por situações terríveis, perdas irreparáveis e conforme acompanhamos a sua história, compreendemos a raiva que ele sente de deus e da igreja, como poderia alguém tão poderoso fechar os olhos diante de tamanha desgraça? Os questionamentos de Gabriel não são feitos por acaso, ele não é um simples descrente, ele foi triturado e cuspido, foi privado do amor, do calor de um lar, ele perdeu tudo e mesmo assim ainda luta e sua luta não é movida pela fé mas por vingança.
Infelizmente a história não é perfeita, ela tem sim furos na narrativa, cria mais perguntas do que responde, apesar do mundo vasto e detalhado, Jay acaba focando nos vampiros e deixando de lado outras criaturas que ele cita: faekin, caídos, dançarinos da noite... Entre outros. Queria ter visto mais dessas criaturas ou pelo menos uma explicação do que eles são.
Outro ponto que me pegou de forma negativa foi o passeio de Gabriel entre a história, ele não segue uma linha linear e embora ele tenha seus motivos, era algo que incomodava. No ápice de um acontecimento, éramos jogados para outro nem tão interessante.
Gabriel não é um personagem adorável, ele é miserável, mesquinho, é um bastardo da pior qualidade mas é inegável o fato de que esse cara é foda! Ele não é um herói cheio de princípios, ele é um selvagem buscando vingança e apesar do sangue seco em suas mãos, Gabriel é capaz de qualquer coisa para salvar quem ama, mesmo que nem sempre consiga. E apesar de estar se afogando em um mar de desespero, ele descobre que às vezes é preciso ter fé em algo, não precisa ser em um deus ou em uma religião mas fé em algo que traga um fio de luz no meio de uma escuridão pútrida. Até porque, não é isso que a maioria busca quando olha pro céu? Um amortecimento, uma razão para suas vidas, algo que dê sentido para suas dores, suas perdas, um impulso para resistir e para existir em meio ao caos?
Mesmo tendo um final aberto, deixando o gosto amargo de perguntas não respondidas, não possuindo reviravoltas inovadoras... Esse é um baita de um livro, uma fantasia que bebe de outras fantasias mas que consegue com sua narrativa e escrita venenosa, cheia de blasfêmia e palavrões, conquistar e instigar a leitura até o seu final e mesmo não concluindo a jornada do nosso anti-heroi, Kristoff deixou em mim uma sede, a mesma sede que consumiu Gabriel sem o seu sanctus e essa sede só será saciada com as respostas em sua próxima obra.
E para finalizar: apenas leiam! É um calhamaço com uma escrita viciante, deliciosa e um personagem mais delicioso ainda... E tem sangue, muito sangue.