O funeral da baleia

O funeral da baleia Lilian sais




Resenhas - O funeral da baleia


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 18/09/2022

Lilian Sais - O funeral da baleia
Editora Patuá - 136 Páginas - Ilustrações de Paloma Franca Amorim - Capa, projeto gráfico e diagramação de Alessandro Romio - Lançamento: 2021.

Classificado como finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2022 na categoria de Melhor Romance de Estreia do Ano, O funeral da baleia de Lilian Sais é uma obra única e difícil de definir, na qual a autora trata da questão do luto, do peso constante da ausência simbolizado pela poderosa imagem de uma baleia encalhada que se recusa a morrer, batendo o rabo na praia diariamente e provocando abalos sísmicos na cidade fictícia de Assum Preto. De fato, em um raro exercício de realismo mágico, a carcaça da baleia permanece assombrando a cidade em uma espécie de funeral que não se concretiza, um simbolismo para a morte da mãe de Joana que, juntamente com seu pai Artur Pereira, precisa aprender a lidar com a permanência da perda.

Em uma narrativa extremamente fragmentada e não linear, conduzida inicialmente por Joana em primeira pessoa, o leitor se vê envolvido por um ambiente claustrofóbico em uma casa que perdeu a sua rotina. Neste caso, a falta de diálogos no romance evidencia as dificuldades do relacionamento familiar, uma filha aprendendo a conviver com o pai que sofre com a solidão e a proximidade da própria morte. Ao longo do romance ocorre uma transição para condução em terceira pessoa, nas passagens relacionadas com Artur Pereira, apresentando os problemas do relacionamento passado com essa muher da qual sabemos muito pouco e nunca é nomeada, mas está presente todo o tempo.

"Tradição pouco se questiona porque pouco se percebe. Passa de um a outro, veja-se luz ou não. Não tem origem definida: é tão anônima que no descuido cotidiano dá para chamar de verdade, e verdade não vem com nota de rodapé. O céu é azul, quem foi que disse? Não importa. Só os desvios trazem sempre o nome de quem fez cravado na pedra. Em Assum Preto na maior parte das vezes o céu também é azul, a não ser quando não é. Mas isso não se menciona. / Ora, o mínimo que se esperaria de uma cidade assim chamada é que nela houvesse muitos espécimes desse animal. Assum Preto, a quem não sabe, é nome de pássaro que Brasil adentro existe para que a gente fure os olhos dele – é tradição. Diz que o pobre, cego, canta melhor, feito bardo grego, que era privado da visão para que fosse grande cantor. O bardo é homem – mulher nasce para a escuta, por isso inclusive o furo vai na orelha, que se enfeita com brinco, evidenciando logo a função. / Coisa de deus, coisa de mortal. Aquele tudo tem; este negocia. Aqui e ali busca o seu quinhão. Levam-se os olhos, fica o canto. fosse pássaro, gente ou animal maior, dá igual. Se quer dom, talento, vida, responde: de que está disposto a abrir mão? Aqui é cidade vazia para o tamanho, com pouco pássaro para o nome. Quase não se vê um. Mas o canto dá para ouvir, o tempo todo, vindo sabe lá de onde." (p. 17)

Meia-noite e trinta e sete minutos, horário em que a morte da mãe foi anunciada, quarta-feira de cinzas e, a partir desse dia, a baleia bate o rabo na praia no mesmo horário, fazendo a terra tremer, gestando a poeira que cobre a cidade; não só se recusando a morrer, mas crescendo a cada dia. Para Artur Pereira, só resta a passagem do tempo, "Minuto após minuto. Encarar o tempo. É o que faz". Os cachorros da cidade que latiam alucinados nos primeiros dias, parecem cansados e roucos com o passar do tempo, assim é a vida agora em Assum Preto, a mãe representada por uma cadeira vazia, "o silêncio alonga tudo, com o silêncio tudo se agiganta", como ela dizia.

"Artur Pereira está parado diante do guarda-roupa no quarto. De acordo com seus hábitos, devia estar lanchando. Mas não sente um pingo de fome. Por isso está no quarto. Puxa a primeira gaveta, no centro do móvel de madeira. Roupas da mulher. Sabe que cedo ou tarde terá que se livrar delas, só não sabe se é melhor que seja cedo ou tarde. Doar para o asilo. É assim que pensou em fazer. Seria mais fácil se estivesse alimentado. Tranquilo. Mas está sem apetite. Joana não chegou ainda. / Seria contra o espírito das regras se ele se deitasse antes do horário costumeiro? Criar novos hábitos, diz baixinho. Não é um velho caduco. Reciclar, reciclar-se, é o que dizem o tempo todo na televisão. Ele ouve. Ouve e entende. É inteligente, o Artur Pereira. Só que agora não quer sustentar o corpo por mais tempo. Vai deitar-se. Sim. / Mete-se debaixo do lençol. Cobre a cabeça com ele. Depois descobre, olha para os pés. As unhas grandes, por fazer. De repente, um grande medo o assalta. Morrer. E Joana não voltar. Quantos dias até alguém dar pela sua falta? Morrer com as unhas por fazer." (p. 83)

O romance de Lilian Sais é forte e sensível, nos fazendo lembrar com muito lirismo de nossas próprias perdas e da passagem do tempo que tudo ameniza. Quem sabe um dia este mesmo tempo permita o retorno da carcaça da baleia para o mar: "O mar recuará muitos metros com o impacto. Depois avançará definitivamente sobre a cidade, tragando casas, funerária, escola, cemitério e a própria carcaça da baleia, que enfim retornará às águas, junto com todo o resto, e quem sabe as pessoas ainda viverão ali, no fundo do mar, mantendo inalteradas as suas rotinas. Então virão os pássaros. A lua brilhará alta, belíssima." Um livro muito recomendado de uma escritora que vale a pena conhecer.

"E que outra forma de contar senão essa, implacável e direta? Velório cumprido, mãe enterrada, inventário iniciado, quinta-feira o chão de Assum Preto tremeu duas vezes, e o tremor fez tombar o ônibus e um carregamento de bois. Sessenta cabeças soltas pela cidade. O primeiro tremor só foi sentido ao redor da Praia do Meio; o segundo, na cidade inteira. / Estávamos em casa, pai Artur Pereira e eu. Quando a terra tremeu pela segunda vez, levantou poeira gestante. É nesses momentos que se vê de um tudo, o passado, vida, a morte – quando a poeira sobe e não se enxerga. Todo adivinho bom é fraco dos olhos. Isso é Assum Preto. / Poeira gestante me levou à senhora minha mãe, mulher que mexia com plantas muito além dos vasinhos que espalhava pela sala, cultivava horta grande no fundo da casa, dando para o pé do morro. Tudo que plantava ou vingava ou morria, donde se deduz que não é que fosse extremamente dotada na função de plantar, mas sim que a vida simplesmente acontecia como tinha de ser e mãe gostava disso. Talvez fosse o que eu mais admirasse em mãe: fazer, e fazer de novo, mesmo dando errado um bom par de vezes. Vida é assim, ela disse uma vez. É fazer e fazer, é continar fazendo." (p. 89)

Sobre a autora: Lilian Sais é escritora, preparadora de texto e produtora de podcasts. Doutora em Letras Clássicas, publicou, de poesia, a plaquete Passo imóvel (Ed. Cozinha Experimental) e os livros Acúmulo (Ed. Patuá) e Uma baleia nunca dorme profundamente (Ed. Hecatombe). Tem poemas, contos e textos críticos publicados em diversas revistas digitais e impressas. Alguns dos seus poemas foram traduzidos para o espanhol, o inglês e o grego moderno. Em 2021, venceu o Prêmio CEPE Nacional de Literatura, na categoria poesia, com o livro inédito Motivos para cavar a terra. Em 2020, foi contemplada pelo ProAC para a publicação deste, que é o seu primeiro romance.
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MãeLiteratura 12/02/2023

Muito bom!
Hoje é dia de #12Livrospara2023! Este é o livro de fevereiro.⁣

O Funeral da baleia trata de ausências e presenças. De peso e leveza.

Um livro forte e impactante, que mesmo após a leitura, ficou reverberando nos meus pensamentos.

A escrita da Lilian é ótima e fluida e traz poesia para seu primeiro romance. Isso deixa o texto ainda mais muito bonito. Um livro diferente e único, com pitadas de realismo mágico.

Pai e filha, Joana e Artur Pereira, vivem na fictícia cidade de Assum Preto. Logo no início da trama, têm que lidar com a morte da mãe/esposa. Esta mulher não tem nome, Joana se refere a ela como Mãe.

Gostei muito como o relacionamento dos dois é retratado, um tanto árido, subjetivo e ao mesmo tempo, terno.

Destaco uma das passagens que achei linda:

"Artur Pereira pega um prato na prateleira embaixo da pia. Olha pelo vitrô. Vê a esposa jovem, a filha ainda criança correndo pela lateral da casa. Fiéis. Depois pensa que é uma lembrança, e não a sua imaginação. Que a memória é como a lateral da casa, um lugar que ele pode visitar às vezes, fazer uma viagem ao momento em que aconteceu isso ou aquilo."

Edição belíssima da Patuá, diagramação caprichada, capa dura.

Bom, muito bom! Quero ler todos os livros da Lilian.⁣

Post completo no BLOG e no nosso canal no YouTube.⁣

site: https://www.maeliteratura.com/2023/02/12livrospara2023-fevereiro-o-funeral-da.html
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Lili 25/03/2023

Não sei se já consigo de cara escrever o que tô sentindo nesse pós leitura. Mas já me sinto ansiosa pra debater sobre o livro com a autora, pra me auxiliar com essa decantação de sentimentos
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Sabrina320 30/10/2023

Quase que
Uma poesia!!!! Vc vai lendo e sentindo tudo? na pele do pai e da filha? como é difícil o envelhecer, as pessoas passarem?.
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Gi dourado 22/02/2024

E um livro onde o leitor precisa estar aberto a reflexoes e interpretações, e uma leitura muito boa, onde dá para sentir os sentimentos sentido por cada personagem, vale mt a pena ler!!
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Beatriz3345 13/09/2022

Venha a Assum Preto.
Caraca, que livro bom. A atmosfera desse livro é única, você vive o peso dos personagens. É poético, é fluido e a construção misteriosa de Assum Preto é incrível! É quase como se vivêssemos lá e pudéssemos sentir os tremores da baleia. A baleia e a cidade viram algo indissolúvel com o passar do tempo e os personagens seguem em frente apesar da poeira.


"Eu crescia e pensava muito nisto, Cada coisa só existe quando é pronunciada até o fim. Então em nossa casa muito eu já sabia por inteiro, mas não existia ainda, porque não se falava. O silêncio alonga tudo, minha filha – mãe me dizia, quando a sós. Com o silêncio tudo se agiganta."
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Camila1109 26/03/2023

Estou atordoada
No meio da leitura do livro já planejei a releitura tamanho o impacto que me causou.
Talvez eu precise de um tempo pra digerir e conseguir escrever uma resenha, mas acho que é interessante ler sem saber muito, apenas tendo em mente a ideia de luto.
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Ingrid752 17/04/2023

Eu achei o livro envolvente de um jeito diferente do habitual. A história traz muita melancolia, uma tristeza, e até uma estranheza sobre a analogia da história. Mas é quase palpável os sentimentos dessa família
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Elie.Jotta 16/06/2023

Um peso onipresente
O funeral se passa numa cidade chamada Assum Preto. Ela me fez lembrar um lugarejo de praia onde meus pais possuíam uma casa de férias “pra fugir da barulheira do Rio”. Uma cidade morna, sem história, a exemplo de seus moradores que guardam os segredos domésticos bem protegidos entre as quatro paredes. Lilian inspirou-se num fato real, ocorrido há algumas décadas na América do Norte, para construir o enredo de seu romance: uma baleia encalha na praia, se debate e agoniza. A autora valeu-se dessa referência para criar um vínculo opressivo (e genial) entre o peso do cetáceo encalhado e o do luto de uma família de três membros. Diante da perda da mulher, marido e filha se debatem e agonizam, cada qual a seu modo. Artur Pereira é um homem embutido na tradição do macho provedor, que preenche o vazio deixado pela esposa tentando provar a si que é capaz de fazê-lo. À filha, Joana, cabe a dolorosa missão de organizar o funeral da mãe. De maneira astuciosa, a autora narra o cotidiano solitário do homem em terceira pessoa, enquanto o tormento da filha, um grito silencioso que ecoa por entre as páginas, é descrito em primeira pessoa. Impossível não se identificar com sua angústia diante da doença da mãe. Impossível não compartilhar com ela as recordações distorcidas, a violência da morte, tão receada quanto ansiada, posto que libertadora. “Ela descansou”. O romance, além de muito bem escrito, possui uma edição em capa dura e belas ilustrações. Uma obra impactante. Super recomendo.
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NazaSicil 16/02/2024

O telefone tocou à meia noite e trinta e sete de uma quarta-feira de cinzas, trazendo a notícia ruim: a mãe, doente há três anos, tinha finalmente, descansado.

Agora, pai e filha tinham que aprender a lidar com aquela ausência, vivenciar o luto.

Ali, naquela cidade fictícia, Assum Preto, a morte da mãe e esposa reverberou dor por toda a casa, mas os outros habitantes da cidade continuavam vivendo como se nada tivesse acontecido.

Ao mesmo tempo, uma baleia enorme encalhou na praia e era tão grande que era impossível retornar-lhe ao mar. Toda noite, à meia noite e trinta sete, a baleia batia seu rabo e causava abalos sísmicos na cidade.

Há uma encantadora analogia entre a doença da mãe/esposa, com o sofrimento da baleia encalhada na praia. Quanto mais emagrecia, mais a barriga da mãe crescia, mais tinha dificuldade de respirar. A baleia se debatia na areia, tentando voltar para o mar, onde conseguiria respirar livremente.

Há uma angústia nessa correlação, uma angústia do pai, Artur Pereira, que não sabe viver sem a esposa, que organizava tudo na casa, que cuidava dele e da filha, Joana. Há a angústia de Joana, que tem que conviver com o pai machista e metódico, o que lhe traz um enorme peso.

O livro é lindo, poético, com capítulos curtos que impulsionam a leitura, repleto de realismo mágico, que adoro, numa fluidez narrativa cativante e uma edição belíssima, de capa dura, com lindas ilustrações. Só oudo dizer que faltou o fitilho marcador de páginas.

Amei essa leitura ?????
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ju.c 25/02/2024

Trás um boa representação do luto. Gostei da forma que coloca em evidência a realidade ?pós-perda?.
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Tuyl 19/04/2024

Muito bom! Com uma premissa que beira o absurdo e vai acompanhando toda a obra, a autora traz uma história que parece única, mas que é comum.
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