tiagonbraz 28/12/2023
Como não perder a cabeça, de Deal Hudson
"Se você quiser ver uma grande peça de escultura, deve olhá-la de todas as direções. É como olhar para uma vida humana: nenhum ângulo de visão conta a história toda."
"Como não perder a cabeça" é uma obra de 2019 do escritor Deal Hudson. Em linhas gerais, propõe que revisitemos os clássicos - obras, particularmente livros, que retratam a condição humana de forma universal e inigualável, e que formaram a base da nossa civilização. Como um católico conservador, Hudson deixa clara sua ideologia durante todo o livro, e confesso que pode ser difícil para alguém contrário a este viés proceder com a leitura. Todavia, caso consiga, um tesouro o espera: uma seleção e análise detalhada das grandes obras do Ocidente - livros, músicas e filmes.
A obra é dividida em três partes: Beleza, Verdade e Bondade. Cada uma delas gira em torno de um tema - na primeira, Beleza, Hudson defende a existência de um Cânone de obras que fundamentaram a civilização ocidental - listados por Mortimer Adler no seu "Great Books" -, mas, além disso, argumenta pela inclusão, no Cânone, de filmes e músicas produzidos nos últimos séculos: tal inclusão pode aproximar o homem contemporâneo das grandes obras. Diferente do conceito pós-moderno de inexistência objetiva de obras "melhores" ou "piores", o autor demonstra a diferença de obras clássicas e obras canônicas: comparando "Nada de novo no front", de Erich Maria Remarque, e "A montanha mágica", de Thomas Mann, nota que a primeira sim, tem seu valor ao demonstrar o absurdo da primeira Guerra Mundial, mas o livro de Thomas Mann tem um escopo mais universal, retratando a condição humana em si, com valor e significado que transcendem o local e época que retrata.
A seguir, em "Verdade", Hudson inicia demonstrando qual a atitude que devemos ter para aproveitar os clássicos ao máximo: paciência, atenção, foco e, principalmente, um coração e uma mente abertos à obra e seu significado. "Ensinai-nos a ficar quietos", diz T. S. Eliot em um de seus poemas; é um comportamento totalmente oposto ao qual estamos acostumados, criados em um mundo que tende a diminuir a duração do entretenimento o máximo possível - fenômeno ilustrado pelos stories do Instagram e os vídeos de curtíssima duração do TikTok. Não sabemos mais ficar quietos, apreciando uma obra musical ou literária. É mais fácil e cômodo pular de vídeo em vídeo - infelizmente, sem o mesmo esplendor.
Por fim, em "Bondade", o autor defende que histórias de amor retratam a condição humana. Assim, revisita os quatro amores de C. S. Lewis - o amor parental, a amizade, Eros e o amor divino - e, a partir deles, recomenda ao leitor diversas obras literárias, musicais e cinematográficas que retratam cada tipo de amor. As recomendações do autor são valiosas, pois é facílimo perder-se diante da imensidão de livros, músicas e filmes; a partir das listas, podemos ter um guia confiável das obras realmente grandes. Apenas as listas já seriam úteis ao leitor; mas, além disso, Hudson analisa de forma magistral três ou quatro obras de cada tipo de amor: de maneira geral, um livro, uma música e um filme. Deleitar-se com as obras munido das análises do autor, como se se estivesse escutando a música com ele ao seu lado analisando-a, torna a apreciação da obra mais completa.
Minha breve resenha não comunica tudo que este livro propõe e dá de valor ao leitor. A erudição do autor é notável, e mesmo se você não concordar com sua ideologia, ao menos terá uma curadoria confiável das grandes obras que o Ocidente já produziu. No entanto, para pós-modernistas que desprezam o valor objetivo de obras individuais e que creditam o valor somente à época, contexto e - pior ainda - raça ou gênero do autor das obras, o livro provavelmente não trará nada além de fazê-los torcer o nariz repetidamente. Há esperança, todavia - "talvez um dia ela se sinta curiosa o suficiente para se aproximar, digamos, da Tempestade - se o fizer, acredito que seu senso de maravilha será reacendido".