Toni 03/03/2022
Leituras de 2022 | Cortesia da editora
Nove partes de um coração [2018]
Janice Pariat (Índia, 1953-)
Moinhos, 2021, 164 p.
Trad. Camila Araújo
Se é verdade, como dizia Bakhtin, que “nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse” (cit. “O autor e o herói”), o romance “Nove partes de um coração”, da indiana Janice Pariat, é a mais pura expressão desse pensamento ético-estético. Nele, uma mesma mulher – sem nome e sem toponímicos capazes de circunscrevê-la a geografias determinantes (ainda que certas cidades possam, às vezes, ser identificadas) – é narrada pela perspectiva de nove pessoas que cruzam seu caminho em alguma fase da vida ou lugar do mundo. Um mosaico que, longe da pretensão de totalidade, nos faz refletir sobre os encontros que nos definem ao interpelarmos outras pessoas e sermos por elas interpelados.
É curioso que após a leitura de “O avesso da pele” este tenha sido o 1º livro que peguei da estante—e bastou uma espiada para perceber a mesma escrita endereçada a um você (a mulher-centro-da-narrativa). Julguei (porque adoramos atribuir sentido ao acaso) que fosse razão suficiente para começar logo a leitura e recebi, em troca, capítulo atrás de capítulo de muita beleza. O primeiro, narrado por uma professora de ensino fundamental, me levou às lágrimas. Sem dúvida que Pariat não inventa a roda (não que isso seja minimamente relevante), mas o que há de novo aqui talvez seja sua habilidade de fazer uma personagem ser todo o romance, ainda que o romance não dê conta de traduzir em palavras toda a personagem.
Convém, talvez, finalizar com outra filósofa que também refletiu sobre nossa dependência fundamental do outro, Judith Butler: “Quando pedimos para conhecer o outro, ou pedimos que o outro diga, final ou definitivamente, quem é, é importante não esperar nunca uma resposta satisfatória. Quando não buscamos a satisfação e deixamos que a pergunta permaneça aberta e perdure, deixamos o outro viver, pois a vida pode ser entendida exatamente como aquilo que excede qualquer relato que dela possamos dar.” “Nove partes…” é um belo exercício de olhar e recomendo com todos os pedaços que me restam.