Stella F.. 09/11/2021
da corrida do ouro à abolição da escravatura
Assim como no primeiro volume, a escrita é deliciosa, esclarecedora, pertinente e muito bem embasada. Gostei bastante.
Os capítulos, se poderia dizer, são independentes, já que podem ser lidos de acordo com o interesse de cada um, porque há um fechamento em cada um deles, sendo repetidas informações de outros capítulos ou mesmo do outro volume. A cada capítulo há um aprofundamento do assunto específico a ser tratado. O livro não segue uma ordem cronológica.
Esse segundo volume: Da Corrida do Ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de D. João ao Brasil, vai tratar da corrida do ouro e da descoberta de diamantes, com o apogeu das cidades mineiras, principalmente Vila Rica, atual Ouro Preto, sua ascensão e suas riquezas e depois sua queda vertiginosa, quando os veios foram diminuindo, e todos que viviam dessa riqueza específica, deixando de lado outros segmentos da economia, perderam tudo, sua fonte de renda, e mesmo a possibilidade de contrabando de pedras, escravos e outras ilicitudes. Aqui, na época da mineração vemos uma predominância de escravos vindo da região denominada Costa da Mina ou Costa dos Escravos, que eram comprados e trazidos mais especificamente para a região mineradora, porque já tinham um certo conhecimento do trabalho necessário. Vale ressaltar, que a mineração também ocorreu no Mato Grosso e Goiás.
“Até 1693, ano da primeira descoberta oficial de ouro, a população negra de Minas Gerais era praticamente zero. Esse número cresceu de forma exponencial nos anos seguintes. Na virada do século, os mineradores já compravam 2 mil escravos por ano.” (pg. 23)
E junto à descoberta do ouro, surge também um aumento dos bandeirantes, um grupo de exploradores que partiam para descoberta de um Brasil interior, principalmente São Paulo.
“Até recentemente, uma historiografia ufanista atribuía quase que exclusivamente aos bandeirantes, todos homens e supostamente brancos, a façanha pela descoberta de ouro e diamantes e a consequente ocupação do território brasileiro na primeira metade do século XVIII. [..] Essa imagem, no entanto, é distorcida. Os bandeirantes formavam um grupo multiétnico, composto por indígenas, brancos, negros e mestiços, em especial, de mamelucos.” (pg. 82)
O autor nos fala com propriedade das diferentes Áfricas brasileiras, porque, como visto no primeiro volume, os escravos vinham de diferentes regiões, e eram distribuídos diferentemente para trabalhos específicos. Ressalta a importância dos negros, pardos, mulatos, no surgimento das religiões de raiz africana como candomblé, umbanda e outras além da influência na gastronomia e língua.
Vai abordar a arquitetura das igrejas e o surgimento de irmandades religiosas negras e suas tradicionais festas, deixando um legado no Brasil, uma influência que modificou a maneira de tratar a religiosidade, de cultuar as divindades, influenciando a própria religião católica. Nessas irmandades, os negros muitas vezes tinham posição de destaque sendo chamados de rainhas e reis. E ainda em relação à religião vai abordar o sincretismo religioso, dando-nos exemplos de santos que são cultuados também nas religiões de matriz africana como São Jorge, Santa Bárbara e outros.
“Dessas festas negras nasceram as folias de reis, tão comuns ainda hoje nas cidades coloniais do interior brasileiro nos primeiros dias do ano. Segundo alguns estudiosos, estariam também na origem dos atuais desfiles de Carnaval.” (pg. 293)
Em alguns capítulos nos fala de algumas personalidades ou acontecimentos históricos. Dedica um capítulo à Chica da Silva, e esclarece alguns mitos que foram formados em torno de sua figura, sem deixar de dizer que era uma mulher à frente do seu tempo, uma figura marcante. Outro capítulo esclarece a Inconfidência Mineira, todo o processo de início da conspiração e seu desfecho com o enforcamento de Tiradentes e outras vezes vai nos apresentar algumas figuras em particular que se sobressaíram na escravidão. Vai nos falar também da lenda do Chico Rei, que tudo indica que nem existiu.
Voltando à África vai tratar dos entrepostos no comércio de escravos, e quanto eles foram importantes para o manejo dos escravos que eram trazidos do interior, e ficavam nos respectivos castelos ou fortificações, à espera da chegada de navios com destino às Américas. O autor descreve alguns deles, os mais importantes, em detalhes. Nesse viés vai nos falar de dois grandes países que brigaram muito pela primazia do mercado de escravos em determinada região: Daomé e Oió, região dominada por grandes líderes, que usavam toda a sua noção de guerra para vencer.
Houve muitas rebeliões e fugas, e o autor vai citar ao longo de um capítulo, o já conhecido Quilombo dos Palmares (abordado no primeiro volume) e outras revoltas importantes como a Revolta dos Malês (BA) e outras por toda a América.
Muito interessante, apesar de já ter um conhecimento sobre o assunto, da diferença entre a escravidão urbana e a rural, a diferença de tratamento dos escravos e suas diferentes especificidades de funções e ganho de soldo, para futura compra de sua liberdade. Uma relação melhor e mais direta entre patrões e escravos se apresenta na área urbana.
E chegamos à abolição da escravatura, sendo a Inglaterra o primeiro país a começar uma campanha, apesar do grande tráfico negreiro em sua história, e grandes companhias com pessoas de posse e até escritores entre seus contribuintes. A Inglaterra dará início a esse assunto, que é lógico, levou anos para ser “resolvido”, fazendo com que outros países como Estados Unidos e Portugal/Brasil pensassem sobre o tema com seriedade. Há uma tentativa de comparação em números, entre a escravidão nas diferentes colônias e seus colonizadores como número de escravos, número de mortos em viagens, número de libertos, número de descendentes e expectativa de vida. Tudo para dirimir a violência, fazê-la mais “aceitável”.
E por último, fala da fuga da Família Real Portuguesa, após conflitos com Napoleão Bonaparte, e toda a política envolvida na época, e sua chegada ao Brasil em 1808.
O Brasil foi um dos países que mais resistiu a abolir a escravidão!