O deus das avencas

O deus das avencas Daniel Galera




Resenhas - O deus das avencas


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Alê | @alexandrejjr 08/01/2023

Três ficções, um pedido

O Brasil é um país que produz grande literatura. Quem discorda disso provavelmente tem o benefício da dúvida devido às más escolhas que fez ou apenas está perdido no profundo mar da ignorância. E o paulista quase gaúcho Daniel Galera é um dos grandes nomes da ficção brasileira contemporânea. Prova robusta que permite tal alcunha é justamente este “O deus das avencas”.

Lançado em 2021, este último trabalho de Galera é composto por três textos de um gênero esquecido dentro da frenética produção contemporânea nacional: a novela. Nomes como Milton Hatoum e Otto Lara Resende, para citar apenas a nata, já usaram desse pequeno atalho que o ato de escrever ficção permite, que é a produção de um texto que fique a meio caminho do conto e do romance. E, sem economias, o autor entrega logo três delas, que são bem distintas entre si, apesar de possibilitarem a criação de conexões temáticas, éticas e estéticas.

A novela homônima que abre o livro é, sem dúvidas, a melhor das três. É verdade que ela é uma escolha covarde deste leitor porque gosto da pegada realista dentro da ficção. Mas não é covardia do autor, que entrega um texto perfeito do início ao fim e mostra sua maturidade no ofício que, vá lá, também aponta certa zona de conforto de Galera. Mas a verdade é que a história de Lucas e Manuela é tão envolvente, tão palpável que os leitores devem ficar tão hipnotizados quanto eu a cada virar de páginas. Com forte teor político (e não panfletário, como preconiza a boa literatura), “O deus das avencas”, a novela, funciona como uma crônica anunciada do fim: todos sabíamos que aquilo (a eleição de alguém do calibre de Bolsonaro) estava por vir, mas também acreditávamos na esperança de um futuro melhor, representado aqui magistralmente nas últimas linhas da narrativa, que fecha a história de maneira muito satisfatória.

Nas ficções seguintes, Galera pisa em terreno desconhecido e, de maneira louvável, faz o que todo artista deveria fazer sempre: arriscar. Tanto em “Tóquio” quanto em “Bugônia”, a ideia de colocar a narrativa dentro do escopo da ficção científica se mostra uma escolha no mínimo acertada. Na primeira novela dessa dupla final, Galera avança um pouco em nossa patética história humana e discute, essencialmente, uma questão ética: no futuro, com a possibilidade cada vez maior e crescente da tecnologia simular o que nos torna humanos, fará sentido o conceito de consciência? Em meio a esse gancho filosófico, o autor desfila uma série de discussões que integram o presente e não o “distante” futuro: a crise climática, as relações obscenas (e obscuras) entre governos e grandes empresas e, é claro, os relacionamentos humanos entre pais (no caso aqui em particular a mãe) e filhos, homens e mulheres, e a sempre complicada vivência em sociedade. Já “Bugônia”, a mais fraca entre as novelas, avança de maneira pitoresca a um futuro indefinido para abordar não somente o que nos torna humanos, mas o que nos torna humanos numa pós-humanidade, onde a desgraça a qual estamos fadados se concretiza. Afinal, em uma história sobre abelhas que produzem mel a partir de corpos putrefatos (o necromel, obviamente) que é a única cura possível e temporária contra um vírus letal - e que só é encontrada em uma estranha comunidade denominada “Organismo” -, nada mais faz sentido. O destaque nesta última novela fica por conta da mais esperançosa mensagem de todo o livro, onde uma menina (Chama) representa um pedido, talvez quase um grito silencioso do autor, da necessidade de união e conciliação para que o fim inevitável da humanidade seja, de alguma maneira, adiado.

O que Daniel Galera consegue entregar em “O deus das avencas” é, sobretudo, boa ficção. E para este leitor que ainda não conhecia o trabalho do autor mas estava sedento por adentrar em seu mundo, o livro foi uma ótima pedida. E talvez esse seja o caso de outras pessoas também, principalmente para quem procura um livro nacional que envolva ficção realista, especulativa e até uma tradicional distopia, tudo isso em meio a um notável cuidado com o texto e com uma preocupação atenta ao nosso estranho e indefinido destino enquanto humanos.
Rebeca.lousz 09/01/2023minha estante
Excelente texto!


Alê | @alexandrejjr 09/01/2023minha estante
Agradeço a leitura, Rebeca!




edu basílio 30/07/2021

três novelas de grande força emocional

diferente tanto em forma quanto em temática de toda a obra pregressa de daniel galera, "o deus das avencas" é a reunião de três novelas em que ele exprime sua leitura da angústia apocalíptica que parece ter ganhado uma concretude recorde nas sociedades mundo afora de uns cinco anos para cá, e que foi ainda mais potencializada pela pandemia de covid-19.

     a primeira novela, que intitula o livro, acompanha um casal às vésperas do 2º turno das eleições presidenciais de 2018. a mulher se contorce com as dolorosas contrações de um parto que se pretende 'humanizado', e que insiste em não se concretizar. o marido se contorce com o sofrimento da esposa e com a abstinência autoimposta de internet até que nasça o filho. e os dois se contorcem com a tragédia anunciada que as urnas do país estão prestes a parir no domingo à noite. um contraste (talvez proposital) entre as iminentes chegadas de uma nova vida na família e de uma era de morte no brasil.

     a segunda, "tóquio" -- em minha opinião, a melhor das três, pela carga emotiva -- se passa em meados do século XXI, quando se tornou possível 'fazer download' da mente dos mortos e armazenar sua consciência em dispositivos materiais. o protagonista parece resignado (e mesmo adaptado) à sociedade esfacelada pelas catástrofes ambientais trazidas pelo aquecimento climático. essa resignação, todavia, não alcança seu coração: em um grupo de terapia, ele se esforça para superar a carência de uma mãe ausente quando viva, e de quem ele agora não consegue se livrar depois de ela morta e objetificada.

     na terceira, "begônia", estamos em algum momento indefinido do futuro: o que sobrou da humanidade vive em tribos e gangues afligidas por pestes letais. muito lixo eletrônico e um certo bucolismo medieval são, paradoxalmente, a realidade de um desses bandos, que encontrou alguma estabilidade graças à exploração de uma nova capacidade das abelhas. o aparecimento de um forasteiro gravemente ferido abalará esse tênue equilíbrio, e exigirá da protagonista adolescente uma grandeza de que os adultos ao redor parecem ser incapazes (permeada por um questionamento sobre o real impacto da memória coletiva sobre a coesão social, essa novela acabou por me soprar ecos de "o gigante enterrado", de kazuo ishiguro).

minha grande admiração por daniel galera nasceu quando li o magnífico "barba ensopada de sangue". sua escrita se veste de uma virilidade meio seca, de uma aspereza charmosa, que inusitadamente só faz ressaltar a ternura e as fragilidades emocionais de seus personagens -- mesmo no caso dos mais 'bad ass'. aqui, essas qualidades literárias nos convidam à reflexão sobre o quanto nossa espécie está desiludida, desorganizada, hostil e aterrorizada pela solidão -- quer nos olhemos no espelho da política, dos modos de organização sócio-econômica ou do meio ambiente.

diferenciado, para mim um dos melhores autores brasileiros de minha geração, galera é merecedor de toda a minha admiração e meu respeito. se a distopia do mundo real voltar a permitir sonhar com isso, espero um dia encontrá-lo em uma FLIP da vida, tirar uma foto ao seu lado e receber seu autógrafo em meus exemplares de seus livros.

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Fabio.Favero 13/01/2023

Um futuro sombrio e esperançoso
Nas três novelas, que são uma metáfora para o futuro de crises climáticas e humanitárias que nos esperam, junto com suas angústias e incertezas, vemos também alguma dose de otimismo, na certeza que a vida encontra um novo equilibrio sempre, mesmo em situações extremas...gostei em especial da novela Tóquio, que discute as implicações de uma transferência da mente para máquinas, num esforço meio inconsequente de imortalidade e os efeitos pra quem carregaria este fardo...
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Norberto 15/08/2021

Muito bom! Sou fã da escrita de Daniel Galera e aqui, apesar de o autor se valer de uma pegada voltada para a ficção científica para contar suas histórias, não deixa de lado em nenhuma delas o lado bastante humano dos personagens. Nos três textos também é muito presente uma característica que o autor já gosta de usar nas suas histórias, que é de tratar sobre relações familiares complexas e relacionamentos com reflexões profundas sobre o futuro, como no caso da primeira novela. A última publicação do autor tinha um clima pré-apocalíptico com todo o cenário ali dos anos 90 em Meia Noite e Vinte e é legal ver como aqui existe - não que seja totalmente - um clima pós-apocalíptico, em que o mundo sofreu muitas mudanças, que na verdade vão crescendo de uma história para outra, e a relação dos humanos com a natureza também se tornou mais profunda, como no entendimento mútuo que dá pra perceber em Bugônia, a terceira novela. Adorei a experiência de ler o livro, vou querer providenciar pra ter essa edição na minha estante junto com as outras e completar minha coleção.
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Camila Faria 21/02/2022

Três novelinhas curtas do premiadíssimo Daniel Galera (vocês leram Barba Ensopada de Sangue?), mas nossa, como me tocaram! Na primeira história, que dá nome ao livro, a angústia de um casal à espera do nascimento do filho, às vésperas da traumática eleição de 2018. Foi impossível não me identificar com o pavor do desconhecido em ambas as frentes ~ eu estava grávida de 6 meses em outubro de 2018. Do passado recente, Galera pula para um futuro distópico em “Tóquio”, narrando a trajetória de um homem solitário em São Paulo, obrigado a lidar não só com as consequências de um desastre ambiental e tecnológico, mas também com o penoso legado deixado pela mãe. Daí, pulamos para uma realidade ainda mais pós-apocalíptica em “Bugônia”: a espécie humana está quase extinta devido a uma peste que assolou o planeta, mas uma pequena comunidade consegue encontrar o equilíbrio perfeito com a natureza e prosperar. Porém o seu segredo e a sua sobrevivência são ameaçados com a chegada de um estranho visitante. Não entrei em mais detalhes a respeito de cada história porque o ideal é ir descobrindo os pormenores aos poucos e se surpreender, como aconteceu comigo. O que eu posso dizer é que eu percebi nas três novelas um crescente de calamidades, um vislumbre do que pode vir a ser a nossa realidade caso não exista uma mudança de pensamento e de atitude, especialmente no que diz respeito às relações humanas e ao meio ambiente. Leiam.

site: https://naomemandeflores.com/os-quatro-ultimos-livros-32/
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Ana Lívia Mourão 27/12/2021

Galera sempre surpreendente e intenso!
Nas três novelas ele narra o início (do fim), o meio do fim e o fim pós o fim, mostrando as nuances de quão desprezível é a tava humana, mas mostrando que ainda há esperança!
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Renata (@renatac.arruda) 22/07/2021

Uma distopia sobre um futuro não tão distante

Em tempos de pandemia, bilionários voando pro espaço e mudança climática, o novo livro do Daniel Galera parece servir menos como um alerta e mais como uma visão do futuro que nos aguarda. São três novelas que, segundo o autor, não têm relação entre si mas, como foram escritas na mesma época, acabam trazendo pontos em comum.

No entanto, foi impossível pra mim não ver uma ligação entre elas. A primeira história, por exemplo, se passa durante um extenso trabalho de parto, que ocorre no final de semana do segundo turno das eleições de 2018. O tempo todo paira no ar o sentimento de apreensão: o que nos aguarda? Este parto, dará certo ou algo de errado está prestes a acontecer? Como serão nossas vidas daqui pra frente?

Em parte, inspirada pela experiência do Galera no nascimento de seu primeiro filho, a novela é sufocante e faz um paralelo entre o nascimento de uma nova vida e a nova realidade que aguardava a todos nós com a ascensão da extrema direita ao poder.

Daí pra frente, é ladeira abaixo. É como se novelas seguintes mostrassem as consequências de determinadas escolhas: se vamos seguir o caminho do neoliberalismo financeiro, da superexploração da natureza pelo capitalismo, da negação da mudança climática, dos avanços tecnológicos antiéticos, estão esperem por isso: um planeta destroçado, superaquecido, infestado de vírus e bactérias, sem comida, de onde alguns fugiram e onde somente uns poucos conseguiram sobreviver.

No entanto, o livro é otimista justamente por isso: conseguimos sobreviver. Embora a vida não se pareça mais com nada que conhecemos hoje, no final há a esperança de que o ser humano conseguirá se adaptar ao próprio estrago que fez. E só há um jeito pra isso: voltando a se entender como parte da natureza, a compactuar com ela.

Há ainda muitas outras camadas que o espaço me impede de comentar, como o protagonismo feminismo, a maternidade, a solidão, a longevidade de pessoas queridas transformadas em artefatos que mais parecem Alexas, a violência, o fracasso da colonização espacial. Mas o que sobressai, para mim, é isto: que tal pensarmos em novas formas de sociedade enquanto ainda temos tempo?
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Paulo 06/09/2022

Três novelas, duas distópicas futuristas
Das três novelas que compõem o livro, uma se passa em tempo real, com as angústias de um casal aguardando a hora do parto enquanto o país elegia o pior presidente da história. Gostei demais dessas.
As outras duas são distópicas futuristas, sendo que a primeirq prende bem o leitor enquanto a segunda tem um leitura um pouco mais arrastada, embora com enredo muito bom.
Valeu a pena.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 31/07/2021

Daniel Galera - O deus das avencas
Editora Companhia das Letras - 248 Páginas - Capa: Alceu Chiesorin Nunes - Imagem de capa: Protea, de Allison Schulnik, 2012 - Lançamento: 2021

O mais recente lançamento de Daniel Galera é o resultado de um raro exercício de composição ficcional ao mesclar diferentes gêneros literários em cada uma das três novelas que compõem o livro; iniciando com o realismo contemporâneo (passado recente) em "O deus das avencas", utilizando a ficção científica em "Tóquio" (futuro próximo) até chegar na distopia francamente pós-apocalíptica de "Bugônia" (futuro distante). Contudo, todas as narrativas têm como ponto comum a frágil relação humana com seus próprios semelhantes e o meio ambiente, ficando muito evidente para ser ignorado os efeitos negativos do entorno político atual, assim como as possíveis consequências de nossas decisões para o futuro do planeta.

Esta obra me lembrou do recente ensaio de Julián Fuks (Romance: História de uma ideia) que nos mostra como a narrativa ficcional persegue sempre a representação da realidade, a "experiência do ser" mesmo com a certeza de que o ser será sempre irrepresentável. Nesta obra, Daniel Galera busca o mesmo objetivo e consegue conferir verossimilhança aos seus textos, uma vez que, mesmo nas ficções e distopias mais delirantes (embora possíveis), os personagens vivenciam a emoção de se sentirem humanos; talvez este seja o maior mérito de O deus das avencas, além, é claro, de proporcionar uma leitura muito prazerosa.

A primeira novela, que empresta o título ao livro, é ambientada nos dias anteriores à eleição de 2018 e a vitória de Jair Bolsonaro. Lucas e Mariana decidem se isolar em casa, interrompendo a conexão com a internet, enquanto ela entra em trabalho de parto, até o momento certo de irem para a maternidade. Divergências políticas entre Mariana e os pais fizeram com que ela decidisse afastá-los de todo o processo. O contraste entre a esperança de um futuro melhor após o nascimento do primeiro filho e a sombria expectativa da eleição de um governo de extrema direita, preocupa o casal, tanto pelo futuro da família quanto pelo destino do país. Da noite de sexta-feira até o domingo, dia da eleição, Mariana passa por muitas complicações para manter os planos de um parto natural humanizado, o que parece colocar em risco a saúde dela e do bebê.

"Estão esperando que ela comece a sangrar, a sentir dor. Manuela está com ódio de tanta demora. Já faz duas semanas que não aguenta mais carregar a barriga por aí, nas escadas do prédio sem elevador, pelas calçadas repletas de lajotas soltas que ainda espirram nas suas canelas inchadas a água suja das últimas chuvas de outubro. Quer dormir de bruços e sem o amparo de travesseiros, levantar do vaso sem precisar se apoiar na pia, parar de levar chutes nas costelas pelo lado de dentro. Quer voltar a transar sem ser derrotada toda vez por essa massa que se agigantou em seu corpo. E Lucas, que tem de si mesmo a imagem de uma pessoa que passou a vida toda subhugando o cansaço sem se deixar vencer, confiante no moto-perpétuo de vigor que abriga nas entranhas e o mantém sempre no combate por mais que esteja apanhando, se sente acuado nos últimos tempos por uma sensação de perigo que não compreende bem. Tem medo de não ter dinheiro para o básico, de que Manuela sofra em demasia, de ter um derrame ou um infarto, de que o país entre em guerra civil na madrugada de segunda. [...]" - Trecho de O deus das avencas (p. 7)

Em "Tóquio", o autor imagina um futuro próximo "num planeta assolado por doenças novas, violências antigas e tecnologias traiçoeiras" em uma versão da cidade de São Paulo que sofre os efeitos do aquecimento global e pandemias, obrigando uma privilegiada pequena parcela da população a sobreviver em ambientes protegidos por refrigeração, enquanto a maior parte do povo é relegada à própria sorte. Neste contexto, uma já decadente tecnologia de digitalização da mente oferece a oportunidade de continuidade após a morte, com a consciência digitalizada sendo transplantada para dispositivos de formatos variados como androides. No entanto, as "cópias" de entes queridos se transformam em problemas para os "guardiões" que recorrem à terapia de grupo. O protagonista passa por um dilema ético ao decidir desativar o dispositivo com a consciência da mãe, em vida uma bilionária inescrupulosa.

"A androide pensou por alguns instantes, sem que isso causasse nenhuma alteração em sua fisionomia. Por fim, eu começava a me acomodar diante da presença daquele artefato. Apesar do realismo espantoso da maioria das suas características físicas, a sua natureza artificial ia se revelando nos detalhes de comportamento. Era o problema conhecido desses androides que o mercado, havia uma década, rotulava de antropomorfos. Bilhões de dólares em investimento e pesquisa eram dedicados a simular a oleosidade da pele e os suaves movimentos rítmicos da respiração, mas não havia como simular algoritmicamente a cascata inescrutável de reflexos físicos desencadeada nos organismos biológicos pela experiência interna de cada instante. Meu arroubo erótico, reparei, tinha desaparecido e deixado em seu lugar o sentimento de vergonha que vem no rastro das fantasias tolas, como se eu tivesse tomado o desejo emprestado de outra pessoa e só agora o percebesse. [...]" - Trecho de Tóquio (p. 83)

Já em "Begônia", a novela é ambientada em um distante futuro pós-apocalíptico, infelizmente bastante plausível também, no qual encontramos uma pequena comunidade sobrevivente chamada "Organismo" que vive em sintonia com colmeias de abelhas que se alimentam de cadáveres e, em contrapartida, geram o "necromel", um produto que confere imunidade às doenças que exterminaram grande parte da população na Terra. A harmonia deste sistema, garantida pela aliança e cooperação mútua, é quebrada pela chegada de um forasteiro que desperta o medo e a violência. A jovem protagonista Chama representa a esperança na retomada do equilíbrio entre as pessoas e o meio ambiente, única chance para a continuidade da espécie humana.

"[...] A Velha é a pessoa mais idosa do Organismo. Tem olhos verdes que brilham por trás das pálpebras enrugadas e frouxas e vive cercada de seriemas, suas aliadas no Topo antes de todos os outros humanos. Mora num casa com varanda cujas tábuas foram reforçadas ao longo das décadas com pedras, barro, trepadeiras e lonas. Dizem que está aqui desde o começo. Foi a primeira a chegar. A Velha não confirma essa história, pois para ela não deve existir história. Precisamos resistir a inventar o passado, ela ensina, esquecer os relatos e desfazer os registros. Não há necessidade de passado, pois o presente guarda todos os indícios que precisamos para manter o Organismo vivo. Você vê uma fileira de pedras e sabe que em outro tempo, não importa se ontem ou há mil anos, alguém traçou bem ali uma fronteira protegendo um olho-d'água ou demarcando um perigo na topografia. Vê o capim esmagado e sabe que ali transitam manadas de javalis. Vê o sofrimento nos olhos de um humano e sabe que precisa tolerar sua ira e violência, pois ele age assim no momento por causa do sofrimento que ele mesmo não percebe. [...]" - Trecho de Bugônia (p. 176)

Sobre o autor: Daniel Galera nasceu em 1979, em São Paulo, e vive em Porto Alegre. É autor, entre outros, dos romances Mãos de Cavalo (2006), Barba ensopada de sangue (2012), livro do ano do prêmio São Paulo de Literatura, e Meia-noite e vinte (2016). É autor também do álbum em quadrinhos Cachalote (2010), com o desenhista Rafael Coutinho.
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Juliana.Quinholi 06/01/2022

Surpresa positivamente
Eu comecei o livro mais por curiosidade, eu diria. Não botava fé que ia gostar muito porque acaba que meu estilo de livro é bem diferente.
Comecei o primeiro conto, me encantei com a forma de escrita mas ao mesmo tempo a história não tinha realmente me conquistado. Resolvi continuar mesmo assim
O segundo conto foi INCRÍVEL, o terceiro MAIS AINDA SE É POSSÍVEL
Sério termino esse livro feliz de mais de ter tido um contato com ele, inevitavelmente entrou nos meus favoritos
Não quis comentar sobre os contos em si porque vale a pena demais a leitura e a surpresa completa que ela vai te causar
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Vitor Dantas 01/01/2022

A forma como o Daniel Galera escreve é incrível. São três novelas que se desenvolvem a partir de mudanças na vida dos personagens, em cenários que ora conversam bastante com a nossa realidade num passado ainda recente, como no primeiro conto que é ambientado nas eleições de 2018, ora criando cenários de ficção com enredos criativos. Com certeza um grande autor. Me vejo relendo o livro em breve!
Carlos Menescal 03/01/2022minha estante
Interessante, deu vontade de ler




Ricardo256 28/10/2023

O deus das avencas
Este livro é composto por três novelas que acontecem em tempos diferentes da história. Não consigo eleger qual novela foi melhor porque todas elas tem suas peculiaridades. Achei todas maravilhosas. Amei ler este livro.
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Andrea 22/09/2021

Passado e Futuro
São três histórias com personagens, lugares, contexto e tempo diferentes. Mas isso não me impediu de fazer uma ligação entre elas, mas primeiro vou falar um pouquinho de cada uma e apercepção que tive.

A história que abre o livro é a que dá o título também, em O deus das avencas o leitor irá para o centro histórico de Porto Alegre, onde moram o casal Lucas e Manuela. É o ano de 2018, véspera das eleições presidenciais no Brasil. Manuela está grávida de quarenta semanas, sentindo as contrações, mas sem dilatação, o que gera o pedido da médica para que ela siga em casa caso mantenha a decisão de um parto humanizado.

Em Tóquio, a segunda história que se segue, tem início na cidade de São Paulo, em uma roda de terapia bastante peculiar em um local chamado APPPH - Associação de Pesquisas e Práticas em Pós-Humanidade.

Todos os presentes, incluindo o personagem que conduz o leitor pela história, possuem em comum o fato de um familiar ter realizado o escaneamento da sua mente, abandonando o seu corpo original para habitar os mais variados objetos, que podem ser de um robô a uma peça do tamanho de um chaveiro.

Quem fecha é Bugônia, ao qual fiquei em dúvida se seria em um futuro após Tóquio ou em tempo paralelo com ela, já que aqui temos uma comunidade que vive no mundo externo, longe das metrópoles fechadas. Sendo bem possível que a comunidade do Topo enxergasse apenas as luzes de São Paulo.

Nesta história fui conduzida pela jovem Chama, que nos apresenta quem são as lideranças do chamado Organismo, onde adultos e crianças dividem tudo, como em uma sociedade hippie pós apocalipse que encontrou um lugar aparentemente seguro. Para sobreviver aos inúmeros vírus que exterminaram parte da raça humana, eles consomem necromel frequentemente, que como o nome indica, é gerado pelas abelhas livres que também moram no topo a partir do corpo de pessoas mortas.

E ao final das três jornadas eu realmente gostei do livro, de suas ligações invisíveis, do olhar pessimista com um leve toque de esperança. Um livro diferente, de escrita fluída e leitura que pode trazer diferentes pensamentos mesmo após a página final.

Resenha completa no blog: http://literamandoliteraturando.blogspot.com/2021/09/o-deus-das-avencas.html?m=1
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Mari 20/06/2021

Gostei muito!
Eu adorei as três novelas. Senti que todas se conectam de alguma forma.

A primeira novela, acompanhamos um casal em trabalho de parto e é muito angustiante esperar as contrações e ao mesmo tempo saber que são as eleições de 2018.
Gostei muito, fiquei super feliz por ficar íntima do casal! Sentir o que o casal estava sentindo! Acompanhar de pertinho o nascimento de um bebê.

A segunda novela, me desesperou! É um futuro tão próximo, já que o nosso país não se preocupa com o meio ambiente. Eu fiquei super angustiada e ansiosa, pandemias, desastres naturais e com um elemento a mais, uma tecnologia capaz de transportar a nossa mente para robôs, dispositivos tecnológicos. Eu lembrei muito de Klara E Sol, elas são bem diferentes, mas lembrei um pouquinho.
O que achei mais engraçado foi a terapia para essas mentes! Tentar entender tudo isso... Foi bem diferente.

A terceira novela, me pegou de um jeito bem bom! Uma distopia, um futuro bem distante resultado dos desastres, pandemias e tudo de horrível. Uma comunidade que se conversa muito bem e tem uma ajuda das abelhas até que algo acontece e rompe essa harmonia.
Eu gostei muito, fiquei apaixonada pela chama. Gostei muito!
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Tuyl 25/08/2021

Daniel Galera sendo Daniel Galera. Texto maravilhoso e com uma leitura fluida. Já no aguardo do próximo lançamento.
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