Luiz 04/05/2022
O essencial para tornar uma Utopia Moderna em realidade
Livro: Uma Utopia Moderna
Autor: H. G. Wells
Geralmente os textos de Wells sempre apresentam as mesmas ideias base, então costumam apresentam de maneira geral o processo de evolução da sociedade atualmente caótica e desordenada para uma sociedade perfeita, equilibrada e mundial; a ideia utópica de que os seres humanos serão guiados pela razão, ciência e o comunismo; mas este livro em especial além de ter essa perspectiva, possui uma natureza tripartida que o torna um meio termo entre os seus antigos livros mais literários e os livros mais políticos do autor, estando bem nessa intersecção Uma Utopia Moderna é uma obra singular.
Wells fez grande parte de sua fama escrevendo contos com uma natureza poética e imaginativa, aonde costumamos ser apresentados a personagens que de alguma forma vivem uma aventura em que se depara com seres mais evoluídos, em diversos aspectos, numa possível utopia, ainda que imperfeita, mas fortemente mais próxima do que nossa sociedade. Portanto o caráter literário é o mais chamativo, como por exemplo os livros "A Máquina do Tempo" e "O Dorminhoco".
Ainda que nesses textos tenhamos explicações razoavelmente boas de como a sociedade evoluiu ao longo dos anos, ainda sim carecia de ideias filosóficas basilares mais fortes, não que não existiam antes, na verdade todo o seu pensamento político e filosófico é claro ao longo dos seus livros, mas neste em particular Wells tentar ir mais à fundo trazendo não só quais pensadores apresentaram ideias sobre uma sociedade utópica, mas como também aonde falharam ou o que seria necessário pra que essa sociedade pudesse existir na prática, rumo ao Estado Global e a Nova Ordem Mundial, assim autores como: Francis Bacon, Platão, William Howells, Tommaso Campanella, Thomas More e muitos outros são citados. Utopia Moderna é um livro que casa muito bem com os livros mais políticos do autor como "Nova Ordem Mundial" e "A Conspiração Aberta".
Existe também um caráter mais introspectivo e reflexivo neste livro, quase como um diálogo do autor com ele mesmo, simbolicamente representado, exatamente assim mesmo em determinado momento do livro. Nesse foco não só existe um debate filosófico e dialético, bem como uma aventura acontecendo, com personagens e tudo, mas também a ênfase do autor em pedir ao leitor que pense nisso como um exercício imaginativo, uma peça de teatro, mas também a possível ideia de que exista uma "outra voz" presente nessa construção que pondera coisas presentes no livro.
Assim temos: A) caráter poético e literário, B) caráter dialético e filosófico, e C) caráter introspectivo e reflexivo. O autor afirma que foi um livro difícil de ser escrito, visto que leu, releu e reescreveu várias vezes partes do livro buscando uma melhor forma e "tom" pra ele. É um livro interessante principalmente nas suas partes filosóficas e introspectivas, ainda que eu tenha achado um tanto embaralhado em alguns momentos. Além de também ter suas similaridades com o livro "Deuses Humanos" escrito posteriormente pelo autor.
Vale ressaltar que assim como em todas as suas obras, Wells faz questão de debater e apresentar diversos temas como a quebra da família tradicional, o comunismo global e o Estado Mundial pela Nova Ordem Mundial, purificação da raça humana pela manipulação biológica e eugênia, quebra de paradigmas morais e sexuais, mudança da perspectiva religiosa e educacional, dentre muitas outras coisas. Wells pra quem não sabe era um Socialista Fabiano, visava a Grande Revolução Universal que seria feita de forma lenta mudando a mentalidade da humanidade como um todo... isto é mais trabalhado nos seus livros políticos, mas suas ideias já estavam presentes nas suas literaturas visando criar esse imaginário.
"O método da natureza 'manchada de sangue' é degradar, impedir, torturar e matar os membros mais fracos e menos adaptados de cada espécie existente em cada uma de suas gerações, e então manter a média específica crescente; o ideal de uma civilização científica é prevenir o nascimento dos mais fracos. Não podemos fugir da punição da natureza de nenhum outro modo. O empenho pela sobrevivência entre os animais e os homens não civilizados significa miséria e morte aos sujeitos inferiores; miséria e morte para que não cresçam nem se multipliquem. No Estado civilizado, é nitidamente possível tornar as condições de vida toleraveis para cada criatura existente, desde que as criaturas inferiores sejam impedidas de nascer e de se multiplicar. No entanto, essa última condição deve ser respeitada."
(H. G. Wells, p. 150)
"Deve ser lembrado que uma utopia moderna difere das utopias porque abrange o mundo todo; portanto, elas não apresentam o desenvolvimento de uma raça ou de uma cultura especial [...]. Utopia Moderna deve ser, antes de mais nada, uma síntese. Politicamente, socialmente, linguisticamente, devemos supor uma síntese. Politicamente deve ser a síntese entre diferentes tipos de governo; no âmbito social e moral, deve ser uma síntese entre uma grande variedade de tradições domésticas e comportamentos éticos. [...] A tendência de todos os processos de síntese nas questões matrimoniais e comportamentais é reduzir e simplificar o cânone compulsório, admitir alternativas e liberdades. As leis do passado se transformam em tradições de sentimentos e estilos de vida, e isso não poderá ser mais evidente do que em questões que envolvam as relações entre os sexos."
(H. G. Wells, p. 171)
"Essa Ordem terá inevitavelmente surgido de um choque de forças sociais e sistemas políticos como uma organização revolucionária. Deverá ter estabelecido diante de si o alcance de um ideal utópico, assim como Utopia Moderna o fez, no cerne da imperfeição mortal. A princípio, poderá ter endereçado as pesquisas e discussões para a elaboração do seu ideal, a discussão de um plano de campanha, mas em algum estágio determinado terá assumido caráter mais militante. Além disso, terá prevalecido e assumido as organizações políticas preexistentes, e , diante de todas as intenções e propósitos, terá se tornado a síntese do presente Estado-Mundo."
(H. G. Wells, p. 207)