Gustav.Barbosa 09/02/2022
Vivemos nos últimos anos um recrudescimento de movimentos com tendências autoritárias em todo o mundo. Desde o governo do partido Lei e Justiça na Polônia, até o Trumpismo nos EUA, passando pelo partido Vox na Espanha e o Bolsonarismo no Brasil, é possível observar que grupos populistas nacionalistas têm enredado o cenário político de diversos países com grande força. Comum a todos é o uso de uma chamada guerra cultural e um aparato engenhoso de desinformação para buscar a atenção do público e chegar ao poder por vias “democráticas”.
Anne Applebaum, assim como Daniel Ziblatt e Steven Levitsky em Como as Democracias Morrem, nos descreve um modelo de deterioração da democracia que não é, como poderíamos estar inclinados a pensar, abrupto e escandaloso. Não é preciso haver tanques nas ruas e um congresso fechado para que um país esteja fadado ao colapso de sua democracia. Para que isso ocorra, o exército usado é bem mais complexo e inclui influenciadores intelectuais, mídias alternativas e um bom conhecimento do público que se deseja atingir. Nesse sentido, Applebaum usa a analogia dos escultores de César na Roma Antiga, que criavam diferentes versões de sua imagem, e diz que “nenhum autoritarismo pode ter sucesso sem o equivalente moderno: os escritores, intelectuais, panfletários, blogueiros, assessores de imprensa, produtores de TV e criadores de memes que vendem sua imagem para o público. Os autoritários precisam de pessoas para promover tumultos ou iniciar golpes. Mas também de pessoas que saibam usar uma sofisticada linguagem legal, capazes de afirmar que ir contra a Constituição ou distorcer as leis é a coisa certa a ser feita”. Não é difícil encontrar os representantes dessa miríade hoje no Brasil.
Costurando toda sua argumentação, a autora estabelece como a sedução do autoritarismo mina as relações entre indivíduos e grupos. Ela inicia contando de uma festa que deu em 1999 em um vilarejo polonês, na qual estava presente um bom número de políticos e jornalistas que hoje nem olhariam em sua cara. O motivo desse rancor seria as profundas alterações no cenário político polonês e americano trazidas pelo partido Lei e Justiça e por Donald Trump, dos quais a autora é crítica ferrenha. Citando Hannah Arendt, Applebaum sugere que essa mudança de posição de seus antes amigos, que em 1999 não teriam se dobrado aos desvarios antidemocráticos, tem relação com um ressentimento ou sensação de fracasso, sendo atraídos pela promessa de recompensa à fidelidade partidária. Os asseclas se percebem, então, participantes de um movimento grandioso e histórico. Creem que seus nomes estarão escritos nos livros futuros como benfeitores da humanidade e se orgulham por isso.
Porém, outro ponto essencial dessa rede é a população, que recebe o conteúdo proveniente desses intelectuais ressentidos. O estímulo ao pavor à complexidade, que favorece a busca e aceitação de teorias da conspiração simplistas em essência e “oferece ao apoiador a satisfatória sensação de ter acesso especial e privilegiado à verdade”, parece ser o modus operandi principal para cooptação dos eleitores. Por meio de notícias deturpadas e críticas grotescas, os indivíduos decepcionados com a “política de establishment” passam a acreditar que o novo grupo contracultura e antissistema é o que poderá salvá-los.
A autora não entrega uma solução para o estado de coisas vivido por muitos países por conta das ondas autoritárias nem acredita que tal solução única exista, mas apresenta algumas ideias que podem ser usadas. Ela enfatiza que devemos nos imunizar contra os pensamentos niilistas que nos tornam indiferentes à situação social e política da sociedade. Só assim poderemos nos importar com o que acontece e agir em favor da justiça, igualdade e liberdade. Ela termina com um olhar de esperança para a nova geração de pessoas que, mesmo com raízes em seus lugares de origem, estão abertas ao mundo. Talvez estes sejam “arautos de algo diferente e melhor, algo que ainda não conseguimos imaginar”. Nos preparemos então para isso.