DIRCE 06/06/2012
Inefável prazer.
Que bom seria se, na vida real, pudéssemos dar um giro de 360º nas nossas vida e, do "marco zero", reescrevermos uma nova história excluindo tudo aquilo que fizemos de errado ou que nos causou dissabores. Todos sabem que, na ficção, é permitido o que nos é negado na vida real. E é isso que Doris Lessing faz em " Alfred e Emily " : reescreve as histórias da vida de seus pais - Alfred e Emily- permitindo-lhes as realizações de seus sonhos, sem poupá-los , contudo, do sofrimento e frustrações, ingredientes intrínsecos à vida.
Emily , na vida real, para tristeza de seu pai que a julgava brilhante e que a via cursando uma faculdade, optou por ser simplesmente enfermeira.
Eu estranhei muito que na primeira parte do livro - Alfred e Emily: uma novela, Doris tenha destinado à sua mãe uma vida demasiado burguesa, mas,para minha surpresa, na segunda parte - Alfred e Emily: duas vidas, constatei que Emily( que era inglesa) se tornou muita amarga por se ver obrigada a viver anos no Continente Africano; na primitiva Rodésia do Sul, desprovida de todo o luxo que a cercava quando viveu no Irã.
A Alfred, face sua forte ligação com a terra, Doris lhe reservou uma pacata vida familiar em uma fazenda ao lado de seus filhos e de sua esposa - a amorosa Betsy, deixando-o fora da Guerra.
Eu admirei mais o Alfred real: o grave ferimento que o deixou mutilado na Guerra ( perdeu uma perna) não o impediu de tentar levar uma vida normal, muito embora a doença o tenha derrotado.
Atrelado as vidas dos pais, Doris também conta como foi sua infância em uma fazenda ano meio do nada, ops! - no meio dos animais selvagens e no seio de uma família onde predominava o desamor , portanto, eu posso não estar falando bobagem se eu disser que, além da intenção de demonstrar o efeito devastador da guerra e do colonialismo que desvia o homem do seu "destino natural" , Doris quis, também, lavar sua alma: ela afirma com todas as letras que odiava sua mãe. Doris tenta se redimir afirmando que a verdadeira Emily morreu de colapso tão logo chegou a fazenda, e que a verdadeira Emily foi uma educadora, alguém que contava histórias, e que lhe trazia livros e que era dessa forma que ela queria se lembrar da sua mãe. Confesso que tal afirmação abalou minhas estruturas porque eu também fui uma contadora de história e com freqüência trazia livros para minha filha, mas me seria dilacerante se, me fosse dado saber que, minha filha me reduziu a uma mera contadora de história e alguém que lhe trouxe livros.
Poucas vezes tive nas mãos um livro tão rico: estruturado de forma peculiar, traz fotos ilustrativas, traz esclarecimentos valiosos, suscita reflexões o que me proporcionou uma leitura de inefável prazer. Graças a quem? A ela, claro: a Paulinha que me presenteou com esse livro. O que tenho mais a dizer? Muito obrigada, obrigada de coração, Paulinha.