spoiler visualizarRonaldo Thomé 03/01/2022
"what do you want from me"?
Livro muito interessante, que se vale de uma técnica difícil e exigente, tanto para o autor como para o leitor: embaralhar pontos de vista de diferentes narradores, a fim de que o interlocutor organize os fatos em sua mente.
Aqui, Beatriz cria o personagem Benjamim, após a descoberta que logo será pai. Ele procura recuperar a memória do pai, Teodoro, e do avô, Xavier, há muito falecidos. Para isso, ele se vale dos relatos de sua avó, Isabel, de Haroldo (o melhor amigo de Xavier), e de Raul (colega de vida de seu pai). A escritora trabalha bastante para dar dimensões a esses personagens, sendo que todos eles têm uma personalidade forte e um bom momento (pessoalmente, acredito que Isabel rouba a cena).
Esse tipo de recurso pode gerar tanto uma grande obra quanto derrubar uma boa premissa; mas felizmente, o que acontece aqui é o primeiro caso. Bracher é uma autora habilidosa, e demonstra grande talento ao manter um tom narrativo no qual pequenos acontecimentos são pinçados pelos narradores, o que faz com que você tenha que acreditar no que eles falam (ainda mais quando há pequenas contradições nos seus relatos).
O grande trunfo do livro é a história que se revela sobre essas camadas: Beatriz cria um intrigante e sombrio drama familiar. Ficamos sabendo que tanto Xavier como Teodoro tiveram graves problemas psiquiátricos, que a família sofreu muito nas duas ocasiões. Após a perda do pai, Teodoro se muda para o interior do Brasil, casando-se, por uma ironia cruel do destino, com Eleni, uma mulher que teve um caso com seu pai, sem que ela tenha conhecido o jovem anteriormente. Xavier e Eleni tiveram um filho, que morreu com poucos dias de vida. Eles se separaram, Xavier faleceu e, depois disso, Teodoro passou a se aventurar pelo mundo.
O mais sombrio e cruel nessa história é que Teodoro também enlouquece, lentamente, após a morte de Eleni, seguida de seu retorno à casa de Isabel. O nome do filho que Xavier teve com Eleni também era Benjamim.
É uma trama bastante insólita ( como influências óbvias de Édipo Rei) que pode causar as mais variadas reações no leitor, mas que acaba funcionando e segue por um caminho em que o impacto (para mim) é suavizado pela forma como a história se revela. Vale a pena, como uma obra ímpar em que passado e presente se misturam, e tudo o que nos resta é um quebra-cabeça.
Indicado para: quem gosta de livros em que o poder da sugestão é fundamental para a imersão.
Nota: 10,0 de 10,0.
Dica: leia ouvindo isso: https://youtu.be/7La_56hCcCw