Carol 10/04/2022Impressões da CarolLivro: Margarida La Rocque {1949}
Autora: Dinah Silveira de Queiroz {Brasil, 1911-1982}
Editora: Instante
208p.
"Padre, não vos faço uma confissão." p. 15?. Basta a primeira frase de "Margarida La Rocque" para que o leitor não deseje mais largar essa leitura espantosa.
Em tom confessional, mas sem arrependimentos, Margarida narra sua história a um padre, como forma de entender tudo por que passou desde seu nascimento, sob o jugo de um mau fado - o de que iria vivenciar o inferno em vida - até o período em que é resgatada da Ilha dos Demônios.
Durante a infância, Margarida se interessava pelas histórias de aventuras contadas por sua aia, Juliana. Por esse gosto, casa-se com Cristiano, um aventureiro das novas terras. Após o sumiço do marido, convece seu primo, Roberval, a embarcar numa expedição à Nova França. No navio, apaixona-se por João Maria, tornando-se adúltera e é punida, junto com a pobre da aia, com o exílio na tal Ilha.
Margarida La Rocque é uma personagem interessantíssima, ainda que, eventualmente, sua queda esteja ligada a um macho. Uma mulher que não se resigna, nem se limita ao papel esperado para uma moça do século XVI: o ambiente doméstico e patriarcal.
Além disso, a escolha de Dinah por uma narração, em primeira pessoa, da protagonista, engrandece demais o livro. Primeiro, ao dar voz à mulher, tantas vezes silenciada na literatura e vista apenas como um objeto narrativo. Segundo, ao inserir dúvidas sobre a materialidade do que está sendo narrado.
É dessa falta de certezas que surge o "maravilhoso" ou o "estranho" no enredo. A lebre falante Filho, a mulher sem face Dama Verde, o espectro sem corpo Cabeleira e outros habitantes da Ilha dos Demônios são criaturas reais ou apenas sintomas do adoecimento mental de Margarida, devido ao exílio? Cabe ao leitor preencher as lacunas e decidir.
"Margarida La Rocque" é um livro espantoso. Publicado em 1949, foi pioneiro do fantástico na nossa literatura. E a cereja do bolo, o feministo Oswald de Andrade quase teve uma síncope, por inveja de Dinah, devido ao sucesso alcançado pelo livro na França. Enfim, leiam!