anajuvg 29/09/2023
Eu, Marguerite.
Essa resenha é, na realidade, um desabafo. Sinto que eu precisava de uma rede social específica, sem meus conhecidos, para expressar um pouco do que eu sinto sobre mim. Não que os mais próximos já não saibam desse assunto - é, aliás, uma verdade já conhecida, que só contribuiu para que as pessoas me vejam mais dessa forma - ainda assim, é difícil expressar isso abertamente.
Eu costumava fazer releituras anuais do livro Extraordinário. Se parando para pensar, minha história é paralela aos significados da história dele. Auggie é uma pessoa em que os outros se afastam de primeira, assustados pelo quão não comum ele é, e em seguida percebem que ele é tão normal quanto todos, porque, aliás, ninguém é completamente normal mesmo. Ele é consciente da sua estranheza, e usa isso em manifesto à favor da gentileza, em um mundo em que as pessoas são tudo, menos gentis... Me vejo muito no August, os sentimentos de incompreensão do mundo dele também fazem parte do meu. Compreendo perfeitamente que ele sabe o quão comum ele é, mas o quanto é diferente também e o quanto essas diferenças são significativas. Auggie tem uma visão de mundo única, e eu fui atrás de outras visões de mundo únicas em que eu pudesse me identificar ainda mais do que eu me identifico com ele, e bem, eu achei.
E eu nunca havia lido nenhum livro que contasse a visão de uma pessoa Asperguer. Tudo que eu sabia sobre era de visões de neurologistas, psicólogos, psiquiatras, mas nunca de uma pessoa portadora em sí. Apesar de ser um assunto frequente aqui em casa, em conversas e até em experiências (temos o exemplo da minha sobrinha) eu nunca havia lido um livro em que me identifiquei tanto com a personagem. É uma história em quadrinhos curta, mas cheia de sentimentos importantes. Alguns que eu sequer já verbalizei.
Marguerite é uma pessoa que é vista como neurotípica, porque ela precisou se adaptar durante anos para saber como agir igual a todos os outros, e é exatamente por esse motivo que ela é vista como estranha, se sente incompreendida, se sente um peixe fora d'água - e vive tentando se convencer de que ela é normal, de que está tudo bem, mas nessa jornada acaba mostrando que está tudo bem também em ser diferente, e está tudo bem também em querer sair das amarras difíceis que o mundo impõe.
Me vi em uma personagem literária, por completo, pela primeira vez na minha vida. Me vi quando ela se sentia confortável em seguir a mesma rotina todos os dias, na dificuldade em entender deixas sociais, no quanto o excesso de barulho faz mal a ela, nos interesses específicos, nos relatos de sua adolescência, no relato de outros adolescentes que fizeram amizade com ela, na incompreensão. Me vi nessa história, porque nós somos incompreendidos, e vemos o mundo de uma forma que ninguém mais o vê. O quanto que me vi nessas ilustrações é assustador, sobretudo em relação a forma com que elas retrataram exatamente o que eu sinto. Também me vi na personagem quando ela sentiu alívio ao pesquisar sobre suas diferenças.
Marguerite não quase entrou em depressão, e também não questionou sua sanidade, mas ela se perguntou o que havia de errado com ela durante toda a sua vida. O diagnóstico para os Asperguer, ou, hoje em dia, nível um de suporte, não é um luto, não é um karma, não é um pesadelo. Ele é a certeza de que não somos estranhos, somos apenas diferentes. Ele é a certeza que nós, incompreendidos pelo universo, temos algo em que nos apoiar, algo que nos diga que não estamos sozinhos, algo que nos mostre que não somos únicos, que existem pessoas iguais à nós. É a chave para o "o que há de errado comigo?", para o "porque eu não sou igual a eles?"
Eu acho que nós somos um pouco Marguerite.
Nós, que fomos obrigados a esconder nossas diferenças para sermos aceitos socialmente;
Nós, incompreendidos, que buscamos a compreensão;
E finalmente descobrimos ou estamos perto de descobrir porque agimos de um jeito específicos, buscamos as razões para o que os outros chamam de estranheza.
Nós, invisíveis. Normais demais para serem autistas, autistas demais para serem normais.
Que todos nós, assim como ela, tenhamos coragem para buscar as razões dos nossos sentimentos, de assumir que não somos iguais, de assumir que precisamos sim de algumas coisas. Está tudo bem em não ser como os outros.
"Ao abraçar sua verdadeira identidade, aceitando sua singularidade, você se torna um exemplo a ser seguido. Você tem o poder de romper essa camisa de força normativa que sufoca a todos nós."