Beatriz 14/08/2016
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda os temas tratados no livro Poemas Escolhidos, de Gregório de Matos. O livro faz parte do período literário Barroco, que foi desenvolvido no Brasil entre os anos de 1600 a 1750, esse período acontece na mesma época que o período da contra reforma, há duas visões antagônicas que se embatem, choques religiosos, de um lado a igreja católica pregando uma visão teocêntrica, e do outro há o renascimento que influencia o homem para uma visão antropocêntrica, é dessa tensão entre suas visões opostas que nasce a arte barroca, o homem barroco apresenta essa crise, essa indecisão entre a religião e a ciência, entre a fé e a razão, o pecado e o perdão, o corpo e a alma.
Gregório é um personagem exemplar desse período. Viveu no Brasil, na cidade da Bahia, no início da nossa vida colonial e ele vai retratar todas as nuances vividas pelo homem barroco, todos esses duelos, todos esses dualismos, todas as dúvidas vão estar muito presentes na sua obra. Sua linguagem é tão complexa quanto o período vivido.
Sua poesia pode ser dividida em vertentes, a vertente sacra, mais religiosa, a vertente satírica, mais mundana e pagã, e a vertente lírico amorosa. Cada uma tem características próprias e únicas.
2 AUTOR
Gregório de Matos e Guerra foi um dos principais escritores do período barroco, nascido dia 7 de abril de 1633, na cidade de Salvador Bahia, foi, inegavelmente, o primeiro poeta brasileiro. A sua biografia revela um personagem extremamente controvertido; tão paradoxal e surpreendente quanto a sua poesia.
Estudou em Portugal e formou-se pela Universidade de Coimbra, vindo para o Brasil quando contava perto de cinquenta anos. Atuou como juiz. Voltou ao Brasil em 1681, aos 50 anos, ocupando o cargo de vigário-geral. No entanto, foi desligado do cargo.
Tendo vendido as terras que ganhara como dote ao casar-se com Maria dos Povos, conta-se que teria deixado o dinheiro largado em casa e gastado desmedidamente. Conta-se que teria, em certo momento da vida, abandonado tudo para vagar como “cantador itinerante, convivendo com todas as camadas da população”. Nesse período ele passa a escrever cada vez mais poesias satíricas e eróticas, o que lhe rendeu o apelido "Boca do Inferno". Além disso, ele escreveu diversas poesias de crítica política à corrupção e aos fidalgos locais, o que fez com que ele fosse deportado para Angola.
Gregório de Matos só pode voltar ao Brasil em 1695, mas com a condição de que ele abandonasse os versos satíricos e fosse morar em Pernambuco. Nessa altura da vida, ele volta-se para a religião e escreve diversos poemas pedindo perdão a Deus pelos pecados que cometeu. Falece em data incerta no ano de 1696 em Recife (PE).
3 O LIVRO
Gregório tem uma linguagem muito característica do estilo barroco, que é uma linguagem rebuscada, complexa, porque o homem complexo, como era o homem barroco, produz uma literatura complexa, uma linguagem cheia de inversões sintáticas, hipérbatos (figura de linguagem que a ordem da frase é invertida). Usa também de paradoxos e antíteses, o que faz com que ele aproxime ideias oposta e da sinestesia, apelando para as sensações.
Sua obra tem varias vertentes, a vertente Satírica é onde ele expõe e critica sem nenhum pudor a sociedade da época, usa uma linguagem chula, termos obscenos. Conhecido “boca do inferno” ou “boca de lixo”, lá ele fazia uma crítica contundente aos problemas que se apresentavam na cidade da Bahia, a corrupção, a licenciosidade. Critica de cima a baixo, de todos dos escravos aos nobres. Também há poemas mais obscenos, como quando ele diz “o amor é um entrelaçar de pernas, confusão de bocas...” Tanto na questão política quanto na sexual vai haver essa vertente.
Na vertente lírico amorosa ele escreve para as suas musas, em especial Dona Ângela e a Maria dos Povos. Geralmente enaltece a cidade da Bahia e mulheres. Seus poemas líricos são comumente divididos em: lírico-amorosos e eróticos. Na poesia amorosa e erótica de Gregório de Matos, a uma visão dualista também aparece na figura da mulher desejada, sendo que esta representa uma espécie de "anjo-demônio". A figura da mulher, quando ela aparece como um ser angelical, ela também terá uma parte demoníaca, e vice-versa. Na poesia erótica, o poeta utiliza uma linguagem mais direta e explícita do que na lírico-amorosa, o amor carnal aparece como forma de libertação do corpo e, por consequência, do indivíduo também.
E na vertente sacra temos um Gregório que pede perdão por ser humano e errar, que esta diante de Deus, e elevação de figuras bíblicas. O ambiente fortemente cristão do período barroco, faz-se presente aqui, onde os pares antagônicos da vez é a "culpa" versus "perdão". Gregório de Matos faz uso da poesia para se libertar e ela é a única forma possível de salvação para o poeta. Esta salvação não se dá somente entre o poeta e Deus, mas também perante a sociedade e si mesmo.
4 RESUMO
4.1 AOS AFETOS E LÁGRIMAS DERRAMADAS NA AUSÊNCIA DA DAMA A QUEM QUERIA BEM
Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertidos:
Tu, que em um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido:
Se és fogo, como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.
O poema é composto através de antíteses, figura de linguagem que aproxima pares de opostos. A primeira é marcada por um tom de lamentação onde o eu-lírico vive um embate entre "paixão" (“simbolizado através de imagens como “fogo” e incêndio”) e "dor" (simbolizado por "neve" e "água", remetendo a "lagrimas"). Na segunda parte, o eu-lírico se indaga sobre a natureza contraditória do amor, fazendo lembrar a lírica do poeta português Camões ("Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente"). A ideia de que "diferença é identidade" presente na poesia amorosa de Gregório de Matos se faz presente de modo exemplar nesse soneto.
4.2. A CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
Neste breve poema Gregório de Matos quis dizer que naquele tempo o poder não estava sendo exercida da maneira adequada contendo maus “Políticos” na administração da cidade, consequentemente causando desordem e miséria a população mais necessitada. Como podemos ver Gregório está satirizando a visão que ele tinha sobre o governo Baiano dando ênfases na incoerência politica na cidade.
4.3. PICA FLOR
Pica-Flor
Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta agora saber,
Se no nome que me dais,
Meteia a flor que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
Que fico então Pica-Flor.
Um moço muito safado encontrou uma moça que estava procurando um homem para se juntar. Eles começaram a conversar e este moço pediu para a senhorita desesperada para se casarem e ele poder usufruir de seu corpo. A moça carente logo aceitou a proposta e deu seu belo corpo ao moço indecente. E assim viveram o final de suas vidas, o moço se aproveitando do corpo da moça e ela sendo “cuidada” pelo moço.
4.4. BUSCANDO A CRISTO
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa p´ra chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
Gregório de Matos usa um sentido duplo para a crucificação de Jesus. Por um lado do poema, Gregório retrata a crucificação com um sofrimento, mas também como uma forma de proteção. Na visão do poeta, Jesus, além de ter vindo por mando de Deus, foi crucificado e sofreu para salvar a população. É esse sentimento que da para o poeta, o perdão e a salvação. Quando Gregório descreve o corpo de Cristo, o poeta demonstra o lado espiritual do sofrimento físico.
4.5. TRISTE BAHIA
Triste Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Há Bahia já teve riqueza, fama, e respeito em abundancia no Brasil, assim citando Gregório de matos em uma de suas poesias “Triste Bahia”. Afirmando que estava pobre de cultura e de respeitos a si mesmo.
Infelizmente com mudanças de culturas a cidade foi se tornando um ninho de problemas a qual é referencia em desastres humanos e culturais. Perdendo assim o brilho da primeira capital brasileira.
4.6. A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta piedade me despido;
Antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória
Nesse poema Gregório cita ser um pecador, e por isso merece mais atenção, então Deus poderá utilizar o perdão com mais empenho, pois ele Deus não vai querer perder uma “ovelha” e sim a tela de volta.
4.7. A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.
Esse governador baiano, não faz nada certo, uma corrupção tremenda, aonde todo o “dinheirinho” dos baianos vai pro bolso do “nosso amiguinho” aí, ninguém acreditava que esse cara subiria ao poder, mas a inteligentíssima gente da Bahia foi junto com ele, “pra ver o que dava”, e um tal de Gregório de Matos(que eu nem conheço quem é), chamou esse governador de burro e asno, e também o chamou de uma desgraça, sendo assim eu acho que o Antão, vai ficar um pouquinho longe do “trono” por um tempo.
4.8.NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA
Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.
Busco uma freira, que me desemtupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?
Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da mão sua cachopa.
Utiliza termos eróticos bem regionais do contexto daquela época, como por exemplo, tronga que significa meretriz, prostituta. Conchego em todo o mapa é uma forma figurativa de expressar que o homem procura um aconchego nas mulheres disponíveis ao seu desejo sexual. O poeta dá a entender que sua sorte seria muito grande se encontrasse uma freira para saciar-lhe sexualmente, já que o mesmo é de família nobre. Enfatiza o cenário de um ato sexual e o que tal ato proporciona ao homem. Revela um poeta de cunho extremamente profano, de índole sensual e escandalosa.
5 TEMA
A DUALIDADE ENTRE O CENTRO DA TERRA
Vivemos e ao mesmo tempo morremos, Heráclito já dizia que tudo esta em constante e em eterna transformação, “o homem não pode entrar no mesmo rio duas vezes”, estamos envelhecendo a cada segundo que passa, no instante que comecei esse trabalho eu já não sou o mesmo, aprendi e perdi incontáveis coisas, mas o que faz o mundo se mover é o tempo, e o tempo não para nunca.
No século XVII o que fazia o mundo girar era a fé, as pessoas tinham uma visão religiosa, o seu centro era teológico, viviam a procura da salvação das suas almas, hoje vivemos a procura da salvação dos nossos minutos, queremos viver do prazer, encontrar respostas e fazer tudo valer a pena. Essa visão antropocêntrica de hoje faz tudo perder o sentido, porque nada pode ser tomado como certo, nosso centro somos nós mesmos, o oportunismo e o egoísmo é o que faz nosso mundo girar, mas não se pode voltar ao passado, como eu disse o tempo não para nunca, o passado já não serve, e mesmo com medo de dizer, tenho que falar que o presente também não.
6 CONCLUSÃO
Com a leitura dos poemas de Gregório de Matos concluímos que a poesia é atemporal, o que foi escrito no século XVII ainda emociona e é exemplo nos dias de hoje.
Ele foi talvez o primeiro poeta brasileiro a usar seu talento para investir contra a incompetência, a corrupção e a arrogância dos governantes, usando das palavras e da ironia para mostrar as mazelas,
Ele foi uma pessoa de mente brilhante tinha e alma colorida, fez tanto poemas de nível social e politico quanto poema romântico e erótico.
Além de tudo, também escreveu poemas de vertente sacras, suas ideias de Deus e do pecado, ao mesmo tempo em que se opõem, são complementares. Embora Deus detenha o poder da condenação da alma, está sempre disposto ao perdão, por sua misericórdia e bondade; daí deriva Sua maior glória.
Finalizamos ao dizer que a importância de Gregório ultrapassam séculos, ele mostrou o que é se encontrar em um mundo dividido, seus poemas conseguem transparecer as dualidades do tempo.