Antonio 24/01/2020
Olavo de Carvalho, o Pai do Presidente
Quem é Olavo de Carvalho? Por mais que se rejeite a figura do ideólogo da Virgínia, não se pode subestimar a sua influência: ele indicou os dois ministros da Educação em 2019. Não é exagero dizer que a educação brasileira (ou a sua diretriz) estará alinhada com o que ele pensa, escreve e defende. Meu Pai, o Guru do Presidente, de Heloísa Carvalho e Henri Bugalho, ajuda a preencher uma lacuna.
Não basta saber que ele questiona a ciência, afirmando que: 1) Não se tem provas do sol ser o centro do sistema solar; 2) As vacinas são perigosas; 3) A Pepsi adoça seus refrigerantes com células de fetos abortados, além de outras afirmações que desmerecem Newton e Einstein. Tudo isso pode ser visto em vídeo, e cada um pode tirar suas próprias conclusões.
A questão é saber de onde ele vem, como e por que se tornou uma bússola do conservadorismo, ou da direita radical.
Heloísa Carvalho, a filha, afirma que escreveu o livro para alertar o Brasil, e não esconde seu ressentimento. Mas o que ela revela? Vejamos:
1) Olavo de Carvalho dava aulas de astrologia na Escola Júpiter. A família com 3 filhos foi despejada da residência e passaram a morar no quartinho dos fundos da escola. Não era uma família convencional, e muitas vezes faltava comida ou cuidados básicos. Em 1980, a mãe de Heloísa tentou o suicídio; foi ela quem quebrou o vidro da porta. Olavo estava com sua amante, a aluna Silvana, com quem viria a se casar depois. A ambulância chegou e, antes de levar a mãe em uma maca, Olavo disse aos filhos menores (de 8 e 6 anos): “Olhem! Aprendam a ser homens!” A mãe sobreviveu e a filha, Heloísa, foi morar com o pai e sua nova mulher.
2) Por passar muito tempo sozinha em casa, a filha foi, pela primeira vez, matriculada em uma escola. Com um novo bebê a caminho, a família se mudou de novo, e Heloísa deixou de frequentar a escola.
3) Nessa nova casa, ladrões entraram, e Heloísa estava sozinha. Ela se escondeu, mas o que ficou registrado em sua memória como um trauma foi o fato de que, quando o pai chegou e viu a porta arrombada, não fez nenhum gesto, não entrou para ver como ela estava, e apenas esperou que a polícia chegasse.
4) Em 1982 Olavo integrou a seita Tradição, que foi objeto de reportagens e denúncias (afirmou-se que havia até abortos rituais). Então, Olavo afirmou que estava sendo perseguido pelos líderes da seita, e que não tinha nada a ver com o escândalo.
5) Em 1983 Olavo se converteu ao Islamismo. Ele passou a ser chamado Sid Mohammad Ibrahim. Conseguiu formar um grupo de discípulos e se tornou líder de uma tariqa (uma confraria esotérica e mística do Islã.) Era uma comunidade que vivia em um sobrado em São Paulo. A filha estava de novo morando com o pai, e ao se aproximar de um dos “fiéis” foi obrigada a se casar com ele, já que não poderia apenas namorar. No entanto, Olavo já tinha se separado de Silvana, e teve uma relação concomitante com 3 mulheres.
6) Esse grupo se dissolveu e, depois de passar um tempo na Romênia, Olavo voltou ao Brasil e começou a dar aulas na PUC-PR, iniciando a carreira de escritor e filósofo.
Esses fatos são por si sós bem eloquentes. Heloísa afirma, o que pode ser comprovado, que Olavo sempre teve facilidade para encontrar seguidores, formar seitas, mas também agia no sentido contrário, gerando conflitos e afastando os discípulos. Outras lembranças também são pesadas: Olavo não deu nem um telefonema para a mãe quando ela estava em um hospital, morrendo.
A filha considera o pai egocêntrico, egoísta e covarde (o fato de não enfrentar os ladrões é um exemplo), e também lembra que ele muitas vezes pediu dinheiro a seus alunos ou discípulos, sem prestar contas depois.
A leitura desse livro vem confirmar muitas coisas já sabidas: Olavo de Carvalho não admite ser questionado por seus alunos. Os que questionam se tornam imediatamente inimigos, e são alvos de ataques e xingamentos (qualquer semelhança com outras figuras públicas não é casual). Ele passou a fazer ataques a figuras famosas (Caetano Veloso é o melhor exemplo, foi chamado de pedófilo), e a produzir polêmicas. No entanto, quando era criticado ou até mesmo processado, ele próprio iniciava um processo judicial para calar os oponentes. Outro exemplo: quando o jornalista Denis Russo escreveu a matéria “O Artista da Ofensa” na revista Época, Olavo publicou no Facebook o endereço e a foto da fachada do jornalista, para que seus seguidores o atacassem. De fato, ele tem seguidores.
Muitos desses fatos não são contestados nem pelo próprio Olavo. A imagem que fica é de um homem que tentou por muito tempo encontrar seguidores e reconhecimento, até que de fato conseguiu. Ao xingar muitas pessoas, atacar a esquerda e alertar para uma ameaça comunista generalizada no mundo todo, ele encontrou ressonância em parte do público, e despertou uma direita radical que estava dormindo.
No entanto, esse não é um livro exatamente bem escrito. Com falhas na linguagem, falta de revisão, algumas repetições desnecessárias, ficamos com a impressão de que poderia (e deveria) ser muito melhor. É claro, nos lembramos que Heloísa de Carvalho não frequentou escola, o que talvez justifique, mas a dificuldade maior é o ressentimento, como foi dito no início, pois ele leva à falta de objetividade, a afirmações desnecessárias, quando por exemplo ela faz uma previsão do futuro, do que vai acontecer com a obra de Olavo de Carvalho. Ninguém tem bola de cristal. Os fatos apresentados são inegáveis, mas a escrita é prejudicada pelo sentimento de ajuste de contas.
Bem diferente é o texto final de Carlos Velasco, um ex-aluno de Olavo. Entusiasmado no começo, depois de alguns anos Carlos começou a questionar o mestre; no início não obteve resposta para suas perguntas, depois foi — surpresa! — atacado e xingado pelo “guru do presidente”. Esse texto consegue ter a objetividade (e assertividade) que o relato biográfico não tem.
De qualquer forma, agora sabemos que, além de criar muitas polêmicas, Olavo de Carvalho tem incontáveis contradições, principalmente ao se confrontar os valores que defende hoje e o que ele de fato viveu. Mas provavelmente para seus seguidores isso não importa. Olavo ensina o que fazer com seus opositores: “Xingue-os do que você é. Acuse-os do que você faz.” É por isso que não cansam de dizer a esquerda é “ideológica”, causando uma confusão no leitor (ou ouvinte).
E para lembrar uma bela contradição, Olavo de Carvalho já fez parte do Partido Comunista.
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