spoiler visualizarMaria5621 22/10/2021
AMEI DEMAIS, muito engraçado, a construção das personagens é ótima e inovadora (pra tradição da comédia latina da época), desde o uso de personagens mitológicas e as humanas, o prólogo e argumento tratando do gênero tragicomédia, e todo o desenvolvimento das personagens.
fiz um trabalho da faculdade sobre esse aspecto tragicômico e foi muito bom (tirando o estresse de fazer trabalho kkkkkkk), eu realmente gostei muito, vou deixar meu texto aqui pq deu trabalho e eu surtei muito pq o limite era 4 paginas e algumas partes tiveram q ficar ??? pra caber KKKKKK não sei quanto tirei ainda, queria um 10? sim mas infelizmente ficou meio sla, mas a ?pergunta? do trabalho era pra explicar o aspecto tragicômico da peça que é apresentado no argumentum da peça (dentro do prólogo)
Tito Mácio Plauto (cerca de 230 a.C. ? 180 a.C.), popularmente conhecido apenas como Plauto, foi um dos mais importantes comediógrafos do período republicano da Roma Antiga. Sem dúvidas, suas obras sobrevivem até os tempos contemporâneos como clássicos da literatura latina, ricas de humor provocador de gargalhadas e estilo exuberante. Célebre por seus prólogos, Anfitrião não é diferente, e nesse prisma exploraremos a obra prima de Plauto. A peça tem variadas particularidades, no entanto, a que chama mais atenção é a sua apresentação como um gênero misto entre comédia e tragédia. A ?tragicomédia? é introduzida no argumentum da peça pelo deus Mercúrio ? prologuista e personagem ?, algo nunca visto na produção teatral da época, de tal forma que Anfitrião é considerada uma peça sui-generis1. A partir dessa colocação, existem duas vertentes pelas quais se pode entender a natureza da peça: a visão metapoética2 apresentada por Mercúrio no prólogo, na qual o caráter tragicômico é obtido apenas a partir do perfil social das personagens, e a análise das personagens e enredo da peça como um todo, passando por todos os pormenores no que tange esse escopo. Trataremos de ambos neste escrito. Em relação aos aspectos estilísticos e estruturais, estes serão abordados conforme a exploração das personagens.
Antes de tudo, é necessário conceituar que o prólogo em Anfitrião vem com o intuito de, além de introduzir a peça e seus personagens, também conquistar a simpatia e atenção do público3 e, primordialmente, explicar o argumentum da peça: uma antecipação do enredo a ser encenado. No caso de Anfitrião, há também a função de contextualizar o mito cuja peça se baseia: o nascimento de Hércules, filho de Júpiter com a mortal Alcmena. A trama desenrola- se a partir da transfiguração da divindade em Anfitrião, comandante do exército tebano e
1 ?De seu próprio gênero?, ou seja, único ou incomum ao tradicional.
2 Em que se referencia o ato de tratar sobre poética dentro de uma obra poética.
3 ?captatio beneuolentiae?, um recurso utilizado pelo prologuista para conquistar a benevolência da audiência.
marido de Alcmena, a fim de ter relações com sua mulher. Logo, como consequência das artimanhas amorosas de Júpiter, as personagens humanas entram em desentendimentos causados pela confusão de identidades, sobretudo pela suspeita de adultério que cerca Alcmena. Pelo fim, a desordem é resolvida com o nascimento dos gêmeos ? Hércules e Íficles, este filho de Anfitrião ? e a revelação da identidade do deus. Há presença, também, de Sósia, escravo de Anfitrião e, como acréscimo de Plauto, Mercúrio, filho de Júpiter.
Adentremos mais no mito por um instante, pois nele, encontraremos mais informações sobre a natureza de Anfitrião, relevantes para o entendimento, a seguir, das personagens. Sabemos que há participação de deidades nesta peça, todavia, esse recurso não era recorrente em comédias na era republicana, assim, o caráter mitológico presente nessa composição é mais um aditivo à sua natureza sui-generis, como explica a Profa. Dra. Zélia de Almeida Cardoso (p. 17, 2008). Outrossim, com base no tratado poético de Horácio, Epistola ad Pisones, o modelo grego é o mais recomendado para se imitar4 e, isso, de fato, era algo comum na tradição latina. As chamadas fabulae palliatae5 eram adaptações de comédias gregas, majoritariamente advindas do período da Comédia Nova, e, é perceptível que Plauto agregava-se a esse costume, visto que as personagens aqui se encontram num contexto grego ? a cidade de Tebas, contudo, ao adicionar elementos próprios à peça, sua criatividade artística dedica-se a uma nova perspectiva ao mito original. Dito isso, partamos.
A priori, nota-se uma peculiaridade em Anfitrião: a figura de Mercúrio. Era incomum o prologuista permanecer atuando após seu discurso, evidenciando, então, uma inovação de Plauto. Nos versos 17 a 96, o deus mensageiro discorre o argumentum da peça e, assim, formula sua tese: ?Farei com que seja mista: uma tragicomédia. / Pois não julgo correto eu fazer com que ela seja do início ao fim uma comédia, / uma vez que vêm aqui reis e deuses / E então? Visto que aqui escravo também tem seu papel, / farei com que seja, por essa razão que eu disse, uma tragicomédia? (vv.59-64). Com esse trecho, temos a explicação metapoética do prologuista, o gênero misto seria, então, a partir desse viés, atribuído somente à espécie das personagens, visto que não nos é apresentado aprofundamentos para além de tal peculiaridade.
Dito isso, foquemos primeiro na conceitualização de Mercúrio acerca do gênero. A natureza variada das personagens já mostra a singularidade da peça ? certamente não se reduzindo a isso ?, posto que, como constata Aristóteles em sua Poética, a comédia é um
4 O sentido de imitação aqui, e no decorrer deste texto, trata-se da mímese (no grego) ou imitatio (no latim), conceito que se refere à escrita representando um objeto a partir da observação de sua natureza, algo inato do ser humano, segundo conceituado por Aristóteles em sua Poética.
5 Esse termo se forma a partir da palavra ?pallium?, uma capa de estilo grego, usada pelos atores nessas peças.
gênero que imita seres ignóbeis e inferiores, no entanto, é óbvio que tal atribuição não é válida para deuses do Olimpo como Júpiter e Mercúrio, nem descendentes de reis como Alcmena e Anfitrião. Sendo assim, seria esse o aspecto trágico, como é discursado no verso 60. Há também, indubitavelmente, tratando-se de uma comédia, seres ditos inferiores, como o escravo Sósia. Tal esclarecimento de Mercúrio terminaria sua asserção aí. Todavia, seguindo pelo viés da caracterização das personagens, observemos como elas são montadas de tal maneira que não é possível encaixá-las numa tragicomédia simplesmente pela sua origem social e/ou divinal, isto porque, como veremos a seguir em cada uma, elas não cumprem os requisitos de seus respectivos arquétipos tradicionais.
A presença do ?duplo? faz-se ilustre em Anfitrião, conectando diferentes elementos da obra ? até, literalmente, na união dos gêneros dramáticos. Nessa perspectiva, as personagens masculinas podem ser observadas de forma conjunta. Explorando Júpiter e Anfitrião, ambos possuem traços do tipo miles gloriosus6, mas não se reduzem a isso e nem aos estereótipos de senex amator e adulescens amator7. Anfitrião, entretanto, apresenta-se mais consistente, sempre disposto a lutar e mandar, reforçando seu papel como soldado típico. Em contraste, Júpiter possui facetas que se distinguem: não se porta como uma divindade na maior parte do tempo, afinal, tem de agir como Anfitrião, enquanto travestido; interagindo com Alcmena, é carinhoso quanto um marido deve ser; e, ao lidar com Mercúrio, profere injúrias vexatórias. Ademais, aludindo-se a uma comédia, personagens agindo elevadamente não condiz com o gênero ? tal qual a argumentação aristotélica ?, pois seu objetivo principal é provocar o riso e, ironicamente, nessa trama, os deuses são os verdadeiros ?encrenqueiros?.
Da mesma forma, o duplo aparece em Mercúrio e Sósia, quando esse, ao transfigurar- se no escravo, age jocosamente, tal como o seu tipo agiria. No entanto, o caráter de seruus callidus8 não se mostra tão presente em Sósia, que vê seus planos continuamente falharem. Mercúrio mostra-se mais multifacetado, adquirindo a ?esperteza? que sua dupla não possui. Além disso, as ações do deus mensageiro são fluidas durante a trama: ele humilha Sósia constantemente e torna-se maldoso, utilizando ?vocativos desonrosos e injuriosos? (CARDOSO, p. 26, 2008); Ao versar sobre Júpiter, a vulgaridade prevalece, como ao dizer ?ele começou a amar de Alcmena escondido do marido dela, / e tomou emprestado para si aquele corpo / e a engravidou com seus amassos? (vv. 107-109). E, enfim, retomando ao
6 ?Soldado fanfarrão?, colecionador de glórias belicosas e amorosas.
7 ?idoso apaixonado? e ?adolescente apaixonado?, respectivamente.
8 ?Escravo espertalhão?, um escravo que comete artimanhas e, geralmente, sai ileso.
prólogo, Mercúrio conversa com o público informalmente, além de fazer uso da captatio beneuolentiae, buscando escusa às ações de seu pai, e consequentemente, suas, ao ajudá-lo.
Por último, mas não menos importante, em Alcmena, vê-se mais uma confirmação da criatividade de Plauto, aqui, para além do tipo tradicional de protagonista feminina, que geralmente seriam atribuídas aos papéis de escrava, prostituta ou uxor dotata9. Seu aspecto duplo foca-se mais em sua dupla gravidez, como consequência do envolvimento com os dois protagonistas, ainda que por engano. A mulher apresenta uma personalidade marcante, sabendo defender-se quando falsamente acusada ? sendo essa a ?graça? da peça. No entanto, Alcmena também é uma esposa amorosa, de modo que sua preocupação com as partidas de Júpiter (acreditando ser Anfitrião) trazem passagens interessantíssimas ao divagar sobre o sentimento de vazio após o amado deixar a casa (vv. 839-842).
A partir da digressão supracitada de Alcmena, vemos que há no discurso um teor de seriedade, logo, a comicidade sai de cena para dar palco a reflexões de natureza trágica, sem o emprego de uma piada subsequente. Algo semelhante ocorre com Sósia que, refletindo sobre seu futuro desfavorável, toma-se de uma linguagem sóbria (vv. 155-75). David Christensen, professor de filosofia da Brown University, comenta que tais monólogos eram encenados com tom de paródia, portanto, sem tom de austeridade, em oposição a Cardoso, que os analisa trágicos pela seriedade explícita presente. Por fim, entre outros aspectos trágicos no decorrer da trama, é perceptível a narração típica de um Mensageiro que Brômia, criada de Alcmena, assume ao final da peça e a própria condição de Alcmena, que comete adultério involuntariamente, e, nesse ângulo, nota-se que há uma clara similaridade para com o engano de identidade representada em Édipo Rei10, de Sófocles, clássico da tragédia grega.
Diante do exposto, a comicidade prevalece em Anfitrião, contudo, a natureza trágica não se faz invisível: é uma comédia com elementos trágicos, assim, uma tragicomédia. Em geral, Plauto foi brilhante ao cunhar o termo. Não obstante, sua descrição no prólogo de Mercúrio é sintética e, embora verossímil, não contempla a totalidade de Anfitrião. Apesar disso, somos capazes de chegar a uma visão aprofundada das personagens, de modo que elas sejam contempladas, em nosso entendimento, pelo menos, à natureza tragicômica com a qual foram designadas. Como toda boa história, não é possível desvendar todos os mistérios que o autor nos deixou através de seus versos, porém, Plauto estruturou-a de tal forma que, embora não nos regale com uma explicação detalhada da tragicomédia no prólogo, deixa-nos traços ao decorrer da peça que instigam a análise desse gênero e explicitam sua natureza.