spoiler visualizarSam Regis 14/06/2020
Muito Mais do que a História de um Adultério
" Todos os gêneros de felicidade se parecem, mas cada desgraça tem o seu caráter peculiar."
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É assim que se inicia Ana Karênina, ou História de Duas Famílias, um dos grandes clássicos da literatura mundial, e certamente o livro que ganhou meu coração. Em meu primeiro contato com a obra do autor, dou de cara com este magnífico livro que aborda muito mais do que a história de um adultério. Claro, acompanhamos Ana, que vem de Petersburgo à Moscou, para ajudar seu irmão Oblonsky, que para variar, se mete mais uma vez em problemas quando sua esposa, Dolly, acaba descobrindo uma carta de uma das amantes do marido, e assim, humilhada e machucada, decide ir embora da casa matrimonial junto com seus filhos. Apesar de ajudar o irmão, Ana acaba conhecendo Vronsky, e se apaixonando por ele. Vronsky, pretendente da irmã de Dolly, Kitty, (que por sua vez, também tem um pretendente, Levine, homem simples, com seus 34 anos, já querendo uma vida tranquila, que a pede em casamento, mas acaba sendo recusado em favor de Vronsky), acaba também se apaixonando por Ana, largando Kitty, seguindo Ana de volta à Petersburgo, mesmo sabendo que ela é uma mulher casada.
Pelo lado de Levine (personagem mais interessante do livro, apesar das "tretas" da Karênina serem muito interessantes), depois da recusa, acaba voltando para sua fazenda, e segue sua vida.
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" - O que chamas tu viver para a alma e para Deus? - quase gritou Levine.
- É muito simples: viver segundo Deus manda, segundo a verdade."
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Este, homem que tem suas dúvidas a cerca da religião; Levine não consegue entender como e porque as coisas, a vida, são como são, porque a religião tem papel tão importante na vida das pessoas, e como chegar a Deus; ser que ele não acredita existir. Ter sido criado em ambiente cristão não o impede de ter certos questionamentos, o que o torna um personagem interessante e, ao longo da narrativa, sua busca por respostas, o leva a descobertas fantásticas de consciência. É algo gradativo, porém cheio de substância, que nos faz questionar e buscar, junto de Levine, a verdade destas questões tão importantes: quem somos, o que fazemos aqui, o que nos rege e olha por nós? Seu desfecho, belíssimo, vem quando ele finalmente toma conclusões e encontra a Verdade e chega a Deus. é certamente o núcleo mais bonito de acompanhar; do tipo que nos cativa e nos prende a atenção e o coração.
Diferente de Karênina, seu oposto (é muito instigante a forma como o autor se utiliza aqui de 'espelhos', de 'duplos'), que está cada vez mais metendo os pés pelas mãos, criando problemas, tendo atitudes mesquinhas, egoístas, curvando-se sempre ao seu próprio desejo, mal dizendo seu marido, pobre homem que além de humilhado e magoado por toda situação provocada pela esposa, ainda tenta, de alguma forma ajudá-la e protegê-la contra as más línguas. Ana não é uma mulher corajosa, nem que está em busca de seu grande amor e felicidade; abandona o filho e o marido por um amante, quer que todos aceitem sua afronta e promiscuidade com naturalidade, acha um absurdo que seu marido não aceite seu amante nas dependências do lar. Ao meu ver, mulher mesquinha, mimada e egoísta; chata, rasa, sem substância, Ana não é digna de nenhum louvor, assim como seu irmão, Oblonsky (que família, hein?), e acaba sofrendo as consequências dos próprios erros, situações criadas por ela mesma que a levaram ao fim que teve. Mas não se engane, o livro é maravilhoso (mesmo que eu não goste de Karênina, rsrs). Li 928 páginas, em um e-book, e foi como se fossem 200; narrativa maravilhosamente escrita, de forma leve e contagiante, que leva o leitor em suas oito partes (cada uma com seus muitos capítulos curtinhos), a conhecer mais da Rússia da época, do que estava acontecendo naquele momento (como a libertação dos mujiques no que se refere ao campo, as questões femininas), a se deliciar com a história dessas duas famílias, esses dois opostos que tanto cativam o leitor e o fazem chegar até a última frase com ansiedade e emoção.
Magnífico!
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"Continuarei a orar sem poder explicar porque oro, mas a minha vida interior conquistou a sua liberdade, não mais estará à mercê dos acontecimentos e cada minuto da minha existência terá um sentido incontestável e profundo, que estará na minha mão imprimir a cada uma das minhas ações: o do bem."