Viccthor | @mathvictor 02/05/2020Qualidade brazuca garantidaHá um tempo, o Victor fez um sorteio desse livro (em formato físico) e eu fiquei realmente curioso em lê-lo, principalmente pela temática cyber/steampunk. Gosto de ficção e esse cenário distópico que a tecnologia pode nos levar também e agrada em estilo. Infelizmente, não foi dessa vez que obtive um exemplar físico. Mas, durante às vésperas do novo normal que estamos vivendo (me refiro a este período pandêmico, claro), o autor havia disponibilizado o e-book da obra gratuitamente, na Amazon, por tempo limitado. Não perdi a chance e garanti logo.
É o quinto livro que termino durante esta quarentena e, de um modo geral, este não foi uma daquelas leituras cansativas. Victor conseguiu representar muito bem a qualidade da literatura brasileira.
O início do livro me prendeu mais do que seu final, confesso. Embora parecesse que algumas vezes era exagerado citar os enjoos de Proto, causados pela quantidade de musgo nos esgotos, etc. Mas, tudo bem, foi a maneira que ele encontrou de nos fazer enxergar o quão imundo encontra-se o local o qual Proto passou a chamar de lar.
O livro todo perpassa sobre os dilemas epistemológicos e socioculturais que fazemos/construimos a respeito do corpo, alma, humanidade e sexualidade. Proto vive num constante dilema, numa linha tênue entre ser ou não ser humana -- e isso não é nada fácil de se processar num mundo devastado como este em que ela vive. Em alguns momentos, esses dilemas em volta do corpo me lembrou "Altered Carbon" -- então, quem conhece a série (ou os livros) vão ter uma ideia do que estou tentando dizer.
Todo este dilema é tensionado quando Proto, aos olhos dos outros que não a conhece, a julgam como sendo um homem. Isto é, ela perde cada vez mais sua identidade e, de maneira cruel, sofre, a parir dos julgamentos dos outros, uma morte simbólica do seu "eu" feminino. Proto pode ter perdido seu corpo físico, sua memória pode ter sido roubada, mas... ela nunca se esqueceu do que é ser mulher.
Devido ao seu novo corpo, Proto pôde explorar a superfície da Terra inúmeras vezes. Mas, Lorena (hoje, Proto) passou a enxergar melhor a desumanidade da humanidade quando seu corto tornou-se metal e, após descobrir algumas verdade, explodiu de raiva -- o que acarretou algumas mortes --, e resolveu abandonar de vez os esgotos em buscas das "novas cidades". Ela descobrira que tivera filhos e queria conhecê-los.
Após dias em busca das cidades utópicas, finalmente Proto encontra Epílogo -- e, aqui, por alguma razão, os capítulos vividos por Proto naquela sociedade perfeita não me atraiu e, às vezes, algumas partes me pareciam monótonas. Talvez porque a própria protagonista cegou-se diante das maravilhas, quase aceitando ser subordinada novamente em troca da falsa ilusão de felicidade.
Lá conhece uma sociedade perfeita e que progride. Conhece seus filhos (não da maneira que queria ou esperava) e se hospeda por lá por um tempo. Entretanto, isso tem um custo alto: devido às faixas que cobrem seu rosto ferido desde o dia em que chegou em Epílogo, acham que Proto é, na verdade, um homem e, portanto, a tratam como tal.
Proto, então, se vê diante de uma sociedade machista e patriarcal. Pois é, parece que nem o fim do mundo fizeram os homens evoluir. Lá, até Hannah (Eron), não pode assumir sua própria identidade.
As entrelinhas deixarei por dizer, para não estragar a surpresa. Não foi nem um pouco fácil e, com certeza, eu não queria estar no lugar da protagonista para escolher entre: viver uma falsa felicidade; subjugar-se à uma sociedade que reprimisse todas as minhas formas de liberdade (andar, pensar, vestir-se, ser, etc.); ou arriscar-se solitariamente a vagar pela superfície, rumo ao desconhecido e ao improvável.
Felizmente, Proto escolheu a superfície.